CRÍTICA DE LIVROS: O SONHO DE CIPIÃO

O Professor Doutor Marcelo Gurgel Carlos da Silva, médico e economista, deu mais um livro à estampa: "Em Louvor aos Homens e às suas Idéias".
O conselheiro Menezes se encontrava entre os trinta louvados; convidado ao lançamento do livro, dia 27 de março próximo passado (Centro Cultural Oboé), recusou visceralmente o convite. E o recusou nos termos de: professor, deixa que a gente morra primeiro, daí então...
Atalhou o Doutor Marcelo: Mas se eu louvar o camarada após a morte ele não vai ler a louvação, nem comparecer ao lançamento destes e outros livros. De imediato, declarou que no próximo mês lançará mais um. Para completar os 50.
― Além do mais, prosseguiu Marcelo, tenho em mente um ou mais de um que versará sobre obituários e discursos necrológicos, feitos ao momento de a terra descer sobre os restos mortais do fulano. Espero, no caso, ao momento do lançamento, contar com a presença dos familiares. Aí é que a freqüência aumentará ao evento.
Conheço algumas pessoas que farejam enterros e missas do sétimo dia. Lá na Itapipoca, eu tinha uma prima assim. Mas coitada, teve uma vida miserável. A mãe faleceu de calazar, o pai envenenado por uma amásia, com veneno de formiga, largado no cuscuz com leite. Faz tempo que não a vejo, mas sei que não largou a mania. Aliás, uma mania sem graça nenhuma. Já aqui em Fortaleza conheço outra senhora com esse mesmo vício de farejar defunto, tenha o coiso morrido em odor de santidade ou não. O que vale é o ritual. Uma carpideira hebréia anacrônica.
Marcelo não é desse grupo. É da estirpe de Machado de Assis. Não vive mais. Escreve. Já o avisei: ele está proibido de se fazer presente à minha viagem derradeira, e de deitar discurso laudatório. Estou mandando a cartório um documento em que fiz o elenco dos que não podem comparecer ao enterro. São todos, deus e o mundo. Este tipo de cerimônia é coisa muito pessoal, ou seja, familiar, pois pessoal não poderia ser. Embora devesse.
Nosso prezado Marcelo, imagino eu, embora seja protoplasmicamente religioso, não entra na vertente ilusória de Cícero do Sonho de Cipião (Somnium Scipionis), que é deveras a mesmíssima cristã: a imortalidade nos campos elísios. Boa é a daqui, das academias, mais na linhagem do filósofo com quem eu não tenho a mínima afinidade, Nietzsche, o qual, vez por outra diz alguma coisa morigerada, que soa bem, como em Das Philosophenbuch: o filósofo e o artista almejam a imortalidade do intelecto criativo. Já que a outra, a da alma, por suposto, não existe.

Dalgimar Beserra de Menezes
Médico Patologista

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