Em 1970, vivi o mês de julho no Rio de Janeiro como participante do Projeto Rondon - VI. Naquela época, cursando o quinto ano da Faculdade Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), fui selecionado com outros universitários para essa atividade extracurricular.
Criado sob o lema de INTEGRAR PARA NÃO ENTREGAR, frase cunhada pelo grande desbravador Marechal Rondon, este projeto enviava grupos de universitários de uma região do Brasil para outras. Onde, com seus trabalhos voluntários, os jovens podiam aplicar os conhecimentos adquiridos em suas universidades. E, pelo contato com as comunidades de regiões que não conheciam, podiam também assimilar um pouco da realidade nacional (os "brasis" existentes no Brasil).
Evidentemente, havia propósitos outros da parte do governo federal quando, em 1968, criou o Projeto Rondon. Como, por exemplo, o de estabelecer uma aproximação com a comunidade universitária, em geral hostil ao regime de exceção que se implantara no país.
Em Fortaleza, o então responsável pela coordenação do projeto chamava-se Major Renê. Ele podia ser encontrado numa das dependências da Reitoria da UFC, onde os estudantes não lhe dávamos trégua. Desejosos que estávamos de participar daquela edição do Projeto Rondon e, ao mesmo tempo, suspeitando de que não houvesse vagas suficientes para todos.
Quando embarcamos no ônibus que nos levaria ao Rio, constatamos que éramos poucos. Quatro estudantes do curso de Medicina, alguns mais de outros cursos (do Serviço Social, por exemplo), e o ônibus partiu com pouca gente para uma viagem que durou três dias até a Cidade Maravilhosa.
No local de destino, ficamos alojados no bairro Cidade de Deus, a nossa base de operações. Num grupo escolar com tamanho suficiente para abrigar mais de uma centena de rondonistas, pois havia participantes oriundos de muitas unidades da federação.
Os estudantes de medicina acompanhávamos os profissionais do posto de saúde da Cidade de Deus em suas rotinas. Por vezes, visitávamos os pacientes em suas casas. E o fato de locomovermos a pé pelas ruas de um bairro pobre, em nenhum momento, ofereceu perigo a qualquer de nós. Ah, os tempos eram outros!
Nas horas de folga, aproveitávamos para conhecer outras regiões do Rio de Janeiro, os pontos turísticos inclusive. E acodem-me à memória os banhos frios matinais tomados nos banheiros coletivos, as refeições servidas em bandejões por soldados do Exército e a "publicação" de um jornal mural de fofocas (a que dei o nome de Marginália).
Numa noite, alguém nos trouxe o músico Nonato Buzar. Para que nos desse um show de voz e violão, que encantou a todos. Um show que ele ilustrou com o relato de alguns fatos pitorescos do meio musical. Nonato Buzar, além de compositor, cantor e produtor musical, era uma das figuras de proa da Turma da Pilantragem, um movimento que foi efêmero na música popular brasileira.