MÉDICOS FORMADOS PELA UFC EM 1971

No início do ano letivo de 1966, selecionados pelo exame vestibular da Universidade Federal do Ceará (UFC) de dezembro de 65, estávamos reunidos em um auditório da Faculdade de Medicina para a aula inaugural de nosso curso de graduação. Éramos cem alunos, em maior parte nascidos no Ceará, jovens e com a predominância numérica do gênero masculino. Começávamos ali a dar os primeiros passos de um projeto comum que nos conduziria à profissão médica.
Em nossos tempos iniciais na Faculdade, escolhemos os representantes da turma para as várias disciplinas do primeiro ano e, obviamente, o nome pelo qual a nossa turma seria designada. Por aclamação, foi escolhido o nome de Andreas Vesalius, o médico belga que é considerado o “pai da anatomia moderna”. Vesalius foi o autor do "De Humani Corporis Fabrica", um atlas de anatomia publicado em 1543. Sobre a escolha de seu nome para a designação da turma, aparentemente pesou a circunstância de ser a Anatomia, dentre as disciplinas do primeiro ano, a que mais nos empolgava.
Andreas Vesalius foi, sem dúvida, merecedor de nossa homenagem, àquele momento. Esse rótulo serviu para manter a coesão da turma, em torno da proposta de fazer uma excursão, em ônibus fretado, até o Uruguai e a Argentina, conhecendo também outros estados brasileiros. Quando chegamos ao Internato, ao ensejo da preparação do convite de formatura, houve a decisão de adotar o nome de Carlos Chagas para designar a nossa turma, como forma de prestigiar o grande médico e cientista brasileiro.
A propósito das cadeiras, além da Anatomia, estudaríamos ao longo do primeiro ano: Histologia e Embriologia, Bioquímica e Estatística; e, durante o segundo ano: Fisiologia, Psicologia, Bioquímica II, Biofísica e Medicina Preventiva. Eram todas essas cadeiras anuais.
A partir do terceiro ano letivo, e prolongando-se a situação até o quinto ano, a nossa turma foi dividida por ordem alfabética em duas subturmas. Uma divisão que se fazia para atender ao caráter semestral das cadeiras (que passariam a ser trocadas, entre os dois grupos, no meio de cada ano). Bem, não há como negar que essa partição, imposta pela configuração da grade curricular, não tenha de algum modo afetado o grau de convivência entre nós.
Foram muitas as cadeiras por que passamos na Faculdade. Na terceira série: Clínica Médica I, Psiquiatria I, Anatomia e Fisiologia Patológicas, Parasitologia, Microbiologia e Imunologia, Medicina Preventiva, Farmacologia e Terapêutica Experimental. Na quarta série: Clínica Médica II, Dermatologia, Doenças Infecciosas e Parasitárias, Clínica Radiológica, Psiquiatria II, Cirurgia Geral I, Otorrinolaringologia, Oftalmologia e Puericultura. Na quinta série: Cirurgia Geral II, Urologia, Traumatologia e Ortopedia, Medicina Legal e Deontologia, Organização e Administração de Saúde, Clínica Médica III, Neurologia, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia.
Em 1971, as duas subturmas foram reagrupadas e, a seguir, divididas em três subturmas. Para que cumpríssemos o ano de internato, o qual se estendeu de janeiro a dezembro, nas vagas de estágios disponibilizadas por três instituições: Hospital das Clínicas (com a Maternidade Escola Assis Chateaubriand), Hospital Geral de Fortaleza e Hospital Geral Dr. César Cals.
Neste último ano de Faculdade, não fazíamos mais provas parciais de conhecimento nem trabalhos individuais; recebíamos conceitos. Conforme o desempenho que apresentávamos em estágios por quatro setores: Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Clínica Pediátrica e Clínica Obstétrica. Cabia a cada interno escolher a clínica de sua preferência, na qual passaria um período de seis meses, ficando reservado o tempo restante do internato para os estágios de dois meses nas outras três clínicas. A mais, havia a nos atazanar, com suas palestras e visitas a instituições, a extemporânea cadeira de Estudos de Problemas Brasileiros (Moral e Cívica): uma imposição do regime autoritário do país à Universidade.
Ao longo de nossa graduação, tivemos perdas de alguns colegas. Nenhuma delas, felizmente, por infortúnio que ceifasse vida. Foram colegas que deixaram a turma por motivos particulares, transferência e insuficiência no rendimento acadêmico. Um destes colegas, registre-se aqui, foi o nosso queridíssimo colega Francisco das Chagas Dias Monteiro, o Chico Passeata, que teve de interromper o curso por perseguição ideológica. Em contrapartida, outros colegas se juntaram a nós por transferência, reabertura de matrícula e repetição de ano acadêmico.
Feitas as contas de saída, somamos 97 formandos em nossa colação de grau a 18 de dezembro de 1971. Os ínclitos professores João Barbosa Pires de Paula Pessoa e Raimundo Porfírio Sampaio Neto foram respectivamente o patrono e o paraninfo da Turma Carlos Chagas, a 19ª turma de medicina da Universidade Federal do Ceará - a nossa turma!
De nossa formatura até os dias atuais, já se vão 40 anos. Quatro décadas no exercício da difícil arte de aliviar e curar! Vários colegas nossos já partiram (estão encantados, no poético dizer de Guimarães Rosa). E, ao evocarmo-los, dá-se que somos assolados por uma imenso sentimento de saudade. Não, não há como retornamos às passadas águas do rio de Heráclito. Continuemos, pois, a homenageá-los com o nosso trabalho e durante nossas vidas.
Paulo Gurgel Carlos da Silva
Nota: o colega Francisco das Chagas Dias Monteiro faleceu em 12/08/2011 (pouco mais de um mês após  haver sido este artigo publicado) e a ele rendemos nossas homenagens póstumas.

3 comentários:

  1. Transcrevendo mensagem recebida de Luciano Façanha:
    Prezado amigo Paulo Gurgel,
    Li com alegria e remomorizei tudo o que voce escreveu- mas no final fiquei muito triste e chorei ao saber que o Chico se foi- realmente não há palavras pra dizer meu sentimento mas é inacreditavel que tanta energia e alegria se foram-
    " Nenhum homem é uma ilha isolada: cada homem é uma particula do CONTINENTE, uma parte da TERRA;se um torrão é arrastado para o MAR, a EUROPA fica diminuída, como se fosse um PROMONTÓRIO, como se fosse o SOLAR de teus amigos ou o TEU PRÓPRIO; a MORTE de qualquer homem ME diminui, porque sou parte do GÊNERO HUMANO. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti." -John Donne-
    Tenho muitas saudades de vocês- pode acreditar- deixo um grande abraço - do teu amigo Luciano Façanha

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  2. Transcrevendo mensagem recebida do colega Colares:
    "Quero parabeniza-lo pela matéria. Além do aspecto histórico, tem um forte apelo afetivo. Tocou-me bastante.
    Um abraço."
    Colares

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  3. Transcrevendo mensagem da colega Maria Alice:
    "Parabéns pelo texto! Só aumenta o desejo de encontrar todos vocês.
    Um abraço e até novembro, se Deus quiser!"
    Maria Alice

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