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médica e filha do sr. Cândido Côrte
Confesso, sem pejo, minha especial admiração por meu pai. Simples, elegante no vestir, simpático, bem-humorado, profissional comprometido, dinâmico, era querido e respeitado em Ribeirão Preto, sua cidade por adoção. De segunda a sexta-feira, eu era obrigada a manter minha vida escolar em dia a fim de me dedicar ao lazer, sem qualquer culpa, nos fins de semana.
O sábado e o domingo eram destinados ao Clube de Regatas, onde aprendi a pescar, colocar minhoca no anzol sem sentir nojo, remar, nadar, jogar bocha etc. Acordava cedo para acompanhá-lo ao clube e, se meu sono ultrapassasse 8 horas da manhã, ouvia ruídos insistentes de meu pai batendo em uma lata, segundo ele, para atrair as andorinhas. Uma mentirinha saudável, pois o que ele queria mesmo era me acordar. Minhas primeiras aulas de disciplina pessoal!
Sempre o admirei por seus diferentes saberes, não obtidos através da educação formal, mas de sua inteligência e autodidatismo. Era um homem bom e cultivava valores como a honestidade, a pontualidade, a sinceridade... Não era religioso, mas cioso de seus deveres para com os outros. Um cristão, na verdadeira acepção da palavra!
Aos 18 anos, saíra de uma cidadezinha escondida no mapa para seu primeiro emprego na megalópole São Paulo. Foi o único entre 12 irmãos a ter a coragem de enfrentar novos e inquietantes desafios. E venceu! Ensinou-me também a ter essa coragem e força para enfrentar o que meu próprio enredo reservava, ensinando-me intuitivamente a identificar pessoas. Uma grande e útil lição!
As regras em nossa casa eram claras. Às refeições, não permitia brigas ou conversas em demasia. Apreciava o silêncio. O abandono de restos de alimento no prato era proibido e ele exemplificava com a própria vida na pobreza da Itália. Ensinou-me a não ter “olho grande” para a comida e a colocar no prato apenas o suficiente para me alimentar. Se quisesse mais, poderia repetir, sem desperdiçar.
Tolerância zero para desperdícios em geral.
Nunca me estimulou a namoros precoces. Eram vedados e, quando os namoricos adolescentes aconteceram, não lhe eram revelados. Mas ele percebia a mudança de meu comportamento e me olhava diferente. Eu sorria meio desconcertada, pois não apreciava trair-lhe a confiança.
O tempo se encarregou de lhe impor limites e sua vida se transformou em um incômodo fardo. Não se preparara para isto, reagia contra sua incapacidade e o dever de aceitá-la, sabe-se lá por quanto tempo. Tinha pressa, mas a vida não foi feita para atender nossos caprichos, mas nossos merecimentos.
Na madrugada de um dia, acordou, sentou-se à borda do leito, pediu água, bebeu-a e se calou. Realizou sua última queda livre na própria cama. Minha mãe pensou tratar-se de mais uma de suas brincadeiras. Não era... Desligou-se do fio da vida com a mesma pressa de sempre. Não se prendeu ao leito, nem deu trabalho aos familiares. Fez-se pássaro e voou célere para outra dimensão.
Artigo publicado em 08/08/15, no Jornal de Hoje, O POVO on line
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