por Paulo Verlaine, jornalista
REVISTA FORTALEZA, 03/06/2006
Uma das frustrações da minha vida é a de não ter conhecido os cabarés de Fortaleza nos tempos áureos: décadas de 40, 50 e 60. Nos anos 70, eu poderia tê-los frequentado (já tinha idade para isto), mas ainda não era boêmio e essas casas estavam em decadência. Em 1971, veio a pá de cal: por pressão dos hotéis, eles foram fechados pela Polícia. REVISTA FORTALEZA, 03/06/2006
América, Império, Fascinação, Monte Carlo, Ubirajara, Boate Guarani. Fora do Centro, na Maraponga, havia a Leila, muito sofisticada. Nomes que emocionam os que passaram dos 50 anos. O livro Sábado: Estação de viver - histórias da boêmia cearense, do escritor Juarez Leitão, oferece um relato primoroso dessas coisas que o tempo levou. O escritor e jornalista Blanchard Girão, outra figura humana admirável e marcante, aborda com igual maestria o tema nos livros O Liceu e o Bonde e Sessão das Quatro. Outro com quem eu conversava muito sobre o assunto era o meteorologista Julian Ferreira Lima (um habitué das pensões, já falecido), filho do inglês Mr. Julian Hull.
Aviso aos politicamente corretos: não se trata de romantizar a prostituição, uma das mais degradantes formas de exploração do ser humano. O lado cruel se tornava mais visível no chamado baixo meretrício: Cinza, Curral, Arraial Moura Brasil (início do que hoje é a Leste-Oeste), visitados pelo filósofo Jean-Paul Sartre em 1960.
É preciso retroceder a Fortaleza do passado, onde, além dos cinemas e dos clubes, a única diversão - para os homens, é claro - eram os cabarés. Ali havia shows animados por orquestras e, também (ninguém é de ferro): sexo. Eram frequentes casos de romances entre clientes e prostitutas. Alguns terminaram em casamento.
Juarez Leitão no seu livro fala da Boate Guarani: "Foi uma grande casa de espetáculo. Promovia festas especiais"(...) "Os melhores músicos da cidade animavam os seus salões (das pensões alegres). O compositor e pianista Luiz Assunção tocou, dentre outros, no Bar da Alegria (da Nena) e na Pensão Graciosa). (...) A partir dos anos 50 pontificou no piano a figura ímpar de Glorinha Alenquer".
Do final dos anos 70 e de toda a década de 80, eu posso falar. O cabaré que me marcou foi o Sereia, localizado na avenida da Abolição, proximidades da AABB, de propriedade do Deó, torcedor doente do Fortaleza. O Sereia era um misto de restaurante e cabaré (caldo de peixe famoso, ideal para fim de farra). Frequentado por boêmios, artistas e... garotas de programa, mas tudo dentro da maior tranquilidade. Jamais vi uma briga ali. Numa noite, adentrou ao recinto Martinho da Vila, no auge do sucesso. Vinha de outras paragens e tinha tomado todas. Apenas balbuciava algumas palavras. Mesmo assim, deu autógrafos para quem lhe pedia.
Havia também a Boate Madrugada, na então avenida Aquidabã, a casa da Nazilde, grande amiga do Cláudio Pereira, também na Aquidabã; O lendário Senadorzão (este era prostíbulo puro), na Senador Alencar.
Numa galeria, ligando a rua Senador Pompeu à Barão do Rio Branco, pontificavam o Barba Azul, Le Bateau e Barroco Drinks, muito frequentados por gente de imprensa. Os grandes jornais ficavam nas proximidades.
Com a inauguração da avenida Leste-Oeste, criaram-se vários restaurantes para competir com os da Beira Mar: Beco, Reboco, La Playa, Saint-Tropez, Ladeira (mais perto da Santa Casa). A elite chegou a frequentá-los no início, mas depois a coisa descambou para a prostituição. A barra começava a ficar pesada.
Hoje os prostíbulos chamam-se casas de massagem e até anunciam nos jornais. Mas não têm o charme dos cabarés do passado.
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