ALISTANDO=NOS

Se a guerra for declarada / a rapaziada ganha no moral.
Se aliste, meu camarada / a gente vai salvar o nosso carnaval.
"Rio 42 graus" – Chico Buarque
Em novembro de 1965, quando tinha 17 anos, compareci na Junta de Serviço Militar para um possível (mas não por mim desejável) recrutamento para o Exército.
Um sargento tomou meus dados pessoais e, ao preencher a ficha de alistamento no quesito cútis, ele datilografou: “pardo claro”. Como eu estranhasse a opção escolhida, ele foi taxativo: "Deixe de ser besta. No Brasil não há raça branca, todos são pardos". O fenótipo, idiota (livre pensar é só pensar). Com tez clara, cabelos lisos, nariz e lábios finos, digamos que eu seja uma exceção.
É verdade que o Brasil, resultou de uma grande miscigenação. Como se deu com a música brasileira, essa "flor amorosa de três raças tristes", no versejar de Bilac. Mas o que o sargento alegou pode ter sido por orientação de um superior hierárquico.
Ele também me perguntou se eu era voluntário para o serviço militar. Ora, eu estava me preparando para o vestibular de Medicina, que aconteceria no início do ano seguinte e, por conseguinte, não estava em meus planos servir à Pátria. Meu objetivo ali, para ser franco, era conseguir uma dispensa de incorporação.
Ao final, ele me entregou o certificado de dispensa de incorporação.
Dispensado de incorporação, retornei aos estudos que me conduziram à Faculdade de Medicina. Mesmo sabendo que, após a formatura, ainda teria que prestar contas com as Forças Armadas. Até então, eu tive que validar anualmente o meu Certificado de Alistamento Militar.
Em novembro de 1971, foi a vez de meu irmão Marcelo se apresentar na Junta. Sem pendor para a carreira militar e já focado no vestibular de 1972 (também para a Medicina), algo aconteceu em seu processo de alistamento que facilitou as coisas.
Ao passar pelos procedimentos antropométricos, o cabo que fez a leitura na balança proclamou:
- Vixe!... 42 quilos. Peso de bode.
Ao que o sargento, de pronto, corrigiu a apreciação do subordinado:
- Bode magro, não é?!
Diante desse resultado, a Junta confirmou sua dispensa do Serviço Militar Inicial, "com um laudo de insuficiência física temporária, podendo exercer atividades civis".
E Marcelo foi cuidar da vida. O que para ele significa ser: médico sanitarista, economista, professor universitário, pesquisador, escritor, membro de academias, polígrafo, blogueiro, causeur etc.
No início de 1972, na condição de candidato aprovado para o Curso de Formação de Oficial Médico, a ser realizado no Rio de Janeiro-GB, eu me apresentei no Hospital Geral de Fortaleza (do Exército) para me submeter ao exame médico admissional. Lembro-me de que o médico militar que me atendeu, inicialmente desconfiou que eu não teria 160 cm, a estatura mínima exigida para um oficial.
No entanto, eu media 161 cm, como ele afinal constatou. Fosse hoje eu teria sido eliminado. Quando a pessoa para de crescer, estabiliza a estatura por alguns anos, mas aí, pela ação conjunta da idade e da gravidade, passa a decrescer. Li alhures que seria a uma taxa de 1 cm por década.
Tempos depois, vim a conhecer melhor o tal médico examinador, que se chamava Dr. Eleazar. Ele era magérrimo, tocava um violino dos diabos e houve uma ocasião em que eu o acompanhei ao violão.
Quanto a Marcelo, sem nunca ter sido militar, tornou-se no maior contador/compilador de causos da caserna de que se tem notícia. Uma de suas histórias, em que ele foi o protagonista, está disponível em seu "Causos e Curiosidades Militares" (no prelo), com o título "Peso de bode magro". Está dado o spoiler.
Agora, o que é a relatividade das coisas:
Durante alguns anos, eu atendi como médico pneumologista um senhor octogenário, o qual era acompanhado também por um cardiologista. Esse paciente nunca chegou a aprender o meu nome nem o do meu colega. Quando queria se referir a nós, ele se utilizava dos termos "moreninho" e "branquinho". Eu era o "moreninho".
Paulo Gurgel Carlos da Silva


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