No ocaso de sua vida, ao me segredar um fato que se reportava à meninice, mamãe por vezes esquecia detalhes. Embora tenha se lembrado de que o referido veículo servia para que fossem (ela, a irmã Elza e Tia Olímpia) às missas dominicais na cidade.
Mas o que era o cabriolé?
Mas o que era o cabriolé?
Na edição de 20/01/1953 do periódico "A Noite Ilustrada", encontro este artigo de Arnaldo Fábregas, ao qual acrescentei algumas notas:
O "Cabriolet" teve, no Rio, uma história reticenciada. Apareceu, desapareceu para, anos depois, aparecer.
Veículo leve e de luxo, era utilizado por diplomatas estrangeiros, grandes do império e opulentos negociantes. Dispunha de duas rodas e era tirado por um animal.
Variavam bastante os seus tipos. Os primeiros aqui chegados tinham um compartimento almofadado, na traseira, onde se sentava o cocheiro, passando as rédeas por cima do toldo. (1) Estes apareceram, sem maiores alardes, em meados de 1814. Tinham vindo da França: "dernier cri" da moda em matéria de viaturas. Na Europa seu domínio foi grande, tendo empolgado Paris, quase fazendo desaparecer a "sège" e outros pequenos veículos. Conta-nos Noronha Santos, que, Luís XVI teria proferido ante a verdadeira praga que se tornara o elegante veículo: "Si j'etais lieutenant de police, je supprimerais les cabriolets". (2)
Em 1817 ainda eram vistos, na nossa "urbs", "lançados impetuosamente, em corridas pelas ruas, por condutores inexperientes, atropelavam transeuntes e atravancavam os logradouros".
Novamente encontramos, no Rio de antanho, o "condutor inexperiente" que atropela os transeuntes e atravanca os lagradouros. Como se vê, neste ponto em nada o Rio evoluiu! Estamos, ainda, no século XIX.
Depois disso, ou melhor, dessa época, não há mais noticias dos "Cabriolets".
Voltaram, porém, em 1839. Com estardalhaço. Alvorotando o mais pacato dos cariocas. Vemos, reproduzido por Noronha Santos, um comentário feito por um jornal da época sobre o grave acontecimento: a volta do "Cabriolet".
"O Mikado do Japão (3) — diz o noticiarista — não causaria maior sensação do que a presença desse veículo nas ruas da cidade. O careca da rua dos Pescadores (atual Visconde de Inhaúma), assíduo companheiro de gamão do cônego Januário da Cunha Barbosa, foi a pé das Laranjeiras ver o estupendo produto ultramarino."
"Outros carecas, jogadores do triquetraque dos jesuítas, se dispuseram a contemplar o carrinho que, em breve, teve preferência de muita gente do dinheiro."
Tamanha foi a fluência de povo à Alfândega para ver o "Cabriolet", que se tornou necessária a intervenção da policia, chamada — diz, ainda, Noronha Santos — pelo escrivão aduaneiro Joaquim Teixeira de Macedo.(4)
Viera, diretamente de Paris, o belo veículo, para um "filhinho de papai", o jovem herdeiro do veador do Paço, (5) Joaquim José Pereira de Faro, primeiro Barão de Rio Bonito. Veio, foi visto e venceu. Passaram a ser fabricados no Rio pelo francês Ambroise, que, em 1851, teve, por decreto assinado pelo Visconde de Monte Alegre, concessão para sua fabricação. Ambroise alterou um pouco as linhas do carro, que passou a se assemelhar ao "cab" francês, viatura que teremos ocasião de focalizar.
O fisco também se aproveitou do sucesso do "Cabriolet": tributou-o, e pesadamente. (6)
Companheiro do "Cabriolet" foi o "Sociável", fabricado, também, por Ambroise. Diferia do primeiro pela ausência do toldo. Teve grande aceitação, criando, inclusive, séria crise entre os alugadores de "Cabriolets". Desvalorizou-se, assim, o carro que fizera tanto barulho à entrada. Passaram a ser vendidos a preço baixo. Seu fastigio passou, como tudo na vida.
Veículo leve e de luxo, era utilizado por diplomatas estrangeiros, grandes do império e opulentos negociantes. Dispunha de duas rodas e era tirado por um animal.
Variavam bastante os seus tipos. Os primeiros aqui chegados tinham um compartimento almofadado, na traseira, onde se sentava o cocheiro, passando as rédeas por cima do toldo. (1) Estes apareceram, sem maiores alardes, em meados de 1814. Tinham vindo da França: "dernier cri" da moda em matéria de viaturas. Na Europa seu domínio foi grande, tendo empolgado Paris, quase fazendo desaparecer a "sège" e outros pequenos veículos. Conta-nos Noronha Santos, que, Luís XVI teria proferido ante a verdadeira praga que se tornara o elegante veículo: "Si j'etais lieutenant de police, je supprimerais les cabriolets". (2)
Em 1817 ainda eram vistos, na nossa "urbs", "lançados impetuosamente, em corridas pelas ruas, por condutores inexperientes, atropelavam transeuntes e atravancavam os logradouros".
Novamente encontramos, no Rio de antanho, o "condutor inexperiente" que atropela os transeuntes e atravanca os lagradouros. Como se vê, neste ponto em nada o Rio evoluiu! Estamos, ainda, no século XIX.
Depois disso, ou melhor, dessa época, não há mais noticias dos "Cabriolets".
Voltaram, porém, em 1839. Com estardalhaço. Alvorotando o mais pacato dos cariocas. Vemos, reproduzido por Noronha Santos, um comentário feito por um jornal da época sobre o grave acontecimento: a volta do "Cabriolet".
"O Mikado do Japão (3) — diz o noticiarista — não causaria maior sensação do que a presença desse veículo nas ruas da cidade. O careca da rua dos Pescadores (atual Visconde de Inhaúma), assíduo companheiro de gamão do cônego Januário da Cunha Barbosa, foi a pé das Laranjeiras ver o estupendo produto ultramarino."
"Outros carecas, jogadores do triquetraque dos jesuítas, se dispuseram a contemplar o carrinho que, em breve, teve preferência de muita gente do dinheiro."
Tamanha foi a fluência de povo à Alfândega para ver o "Cabriolet", que se tornou necessária a intervenção da policia, chamada — diz, ainda, Noronha Santos — pelo escrivão aduaneiro Joaquim Teixeira de Macedo.(4)
Viera, diretamente de Paris, o belo veículo, para um "filhinho de papai", o jovem herdeiro do veador do Paço, (5) Joaquim José Pereira de Faro, primeiro Barão de Rio Bonito. Veio, foi visto e venceu. Passaram a ser fabricados no Rio pelo francês Ambroise, que, em 1851, teve, por decreto assinado pelo Visconde de Monte Alegre, concessão para sua fabricação. Ambroise alterou um pouco as linhas do carro, que passou a se assemelhar ao "cab" francês, viatura que teremos ocasião de focalizar.
O fisco também se aproveitou do sucesso do "Cabriolet": tributou-o, e pesadamente. (6)
Companheiro do "Cabriolet" foi o "Sociável", fabricado, também, por Ambroise. Diferia do primeiro pela ausência do toldo. Teve grande aceitação, criando, inclusive, séria crise entre os alugadores de "Cabriolets". Desvalorizou-se, assim, o carro que fizera tanto barulho à entrada. Passaram a ser vendidos a preço baixo. Seu fastigio passou, como tudo na vida.
Referências
SILVA, Marcelo Gurgel Carlos da; SILVA; HEGER, Mirna Gurgel Carlos; SILVA, Paulo Gurgel Carlos da (orgs.). A história de Elda: a matriarca da família Gurgel Carlos. Fortaleza: Edição do Autor, 2023. 152p. ISBN: 978-65-996963-8-1
http://memoria.bn.gov.br/pdf/120588/per120588_1953_01247.pdf Acesso em: 08/09/2024.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Veador#
http://memoria.bn.gov.br/pdf/120588/per120588_1953_01247.pdf Acesso em: 08/09/2024.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Veador#
Notas
(1) Para transportar Tio Raimundinho, na função de cocheiro, e mais três membros da família, o cabriolé certamente não devia ser do tipo que Joselito desenhou para a ilustração do artigo.
(2) Tradução: "Se eu fosse tenente da polícia, eu eliminaria os cabriolés". Na verdade, esta frase foi dita por Luís XV, quando havia apenas duzentos ou trezentos deles circulando em Paris.
(2) Tradução: "Se eu fosse tenente da polícia, eu eliminaria os cabriolés". Na verdade, esta frase foi dita por Luís XV, quando havia apenas duzentos ou trezentos deles circulando em Paris.
(3) Antigo termo japonês para "imperador" e, mais especificamente, para o Imperador do Japão significando "porta sublime".
(4) Não há notícia de que a polícia sertaneja tenha sido chamada para acalmar os ânimos.
(5) Não é "vereador" (com erro de revisão). "Veador", ou antes "viador", do latim "via", era um antigo título honorífico em Portugal e no Brasil, que se dava ao oficial-mor da casa real que servia junto à rainha ou a imperatriz, no paço ou fora dele. Eram geralmente escolhidos entre membros da nobreza e fidalguia. Isso explica a nota anterior.
(6) Nada é mais certo neste mundo do que a morte e os impostos. (Benjamim Franklin)
(4) Não há notícia de que a polícia sertaneja tenha sido chamada para acalmar os ânimos.
(5) Não é "vereador" (com erro de revisão). "Veador", ou antes "viador", do latim "via", era um antigo título honorífico em Portugal e no Brasil, que se dava ao oficial-mor da casa real que servia junto à rainha ou a imperatriz, no paço ou fora dele. Eram geralmente escolhidos entre membros da nobreza e fidalguia. Isso explica a nota anterior.
(6) Nada é mais certo neste mundo do que a morte e os impostos. (Benjamim Franklin)
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