No início de 1970, certa noite em Salvador rolou em nosso grupo a ideia de irmos ao Varandá. O restaurante, de acordo com informações que nos foram passadas, era um dos points da capital baiana. Ficava no centro histórico de Salvador, região em que estávamos hospedados, e contávamos com o ônibus de uma excursão para nos levar ao local.
O Varandá estava situado numa íngreme ladeira, de onde se avistava a Baía de Todos os Santos.
No recinto, fomos saudados à entrada por alguns rapazes alegres, o que já antecipava o espírito da casa. Um dos excursionistas logo reconheceu o Joãozinho, um acadêmico de medicina que havia se transferido de Fortaleza para Salvador.
Fui testemunha ocular de um problema que houve com ele numa das festas que costumavam ocorrer aos sábados no Diretório Acadêmico XII de Maio, em Fortaleza. Quando Joãozinho, após ser grosseiramente tratado por quem não aprovava suas inclinações sexuais, nocauteou o oponente jogando-lhe uma garrafa de cerveja na cabeça. Mas não sei se foi esse desentendimento o motivo que fez com ele deixasse Fortaleza.
Havia muita gente no Varandá, naquela noite. Numa de suas mesas, um violonista apresentava-se com um repertório notadamente tropicalista. Entre os frequentadores do lugar, incluíam-se Gil, Caetano e Luiz Melodia (quando estavam na Bahia).
Cinquenta e cinco anos depois, veio-me a curiosidade de saber o destino da casa.
Então, revolvendo o Google, acabei encontrando umas informações interessantes:
O Varandá fazia parte de um circuito etílico intelectualizado que compreendia ainda os puteiros do Pelourinho, as lanchonetes e boates da Carlos Gomes e os bares e restaurantes da rua Chile, já quase desembocando na Praça Castro Alves.
Mas não reinava só: dividia as honras com o Tabaris. E havia também o Sandoval, um personagem da noite de Salvador que transitava entre os dois bares. Não tinha nas cercanias quem não o conhecesse. Depois de anos trabalhando no Tabaris, ele abriu o próprio bar, que era justamente o Varandá. Mas as duas casas não competiam. A noite começava no Tabaris e terminava lá no topo do Pau da Bandeira (leia-se: Varandá).
Em 1975, gravando uma das canções da novela "Gabriela", da TV Globo, Fafá de Belém despontou para o sucesso nacional . Seu passaporte para o que viria a ser uma longa carreira artística foi a canção "Filho da Bahia", um samba de roda no melhor estilo do Recôncavo Baiano, mas em certa medida muito parecido com o carimbó do seu estado natal.
Substituindo na referida gravação a cantora Maria Creuza, que estava operada de apendicite, "Filho da Bahia", de Walter Queiroz, foi o primeiro grande sucesso de Fafá de Belém. Toda dengosa, ela, aos 19 anos, remexia o generoso decote e soltava a voz, bem aguda e afinada:
"Sei beber no Varandá.
Foi Sandoval quem me ensinou.
Ah, moreno."
O Varandá e Sandoval estariam, a partir de ali, imortalizados na música popular brasileira. Mas não no sentido físico da palavra.
De Sandoval, sabe-se que, guiado pela nova dinâmica da cidade, abriu um bar em Pituba onde passou a gozar de nova clientela. Numa tarde dos anos 1980, porém, ele teve um fim trágico. Ao ser atingido por uma roda que se soltou de um caminhão. Quanto ao Varandá, esse marco civilizatório da cidade para se falar de utopias, amores perdidos, porres homéricos e boemias em geral, no dia 23 de agosto de 2020, uma grande parte do casarão desabou (foto). E, quatro dias depois, a prefeitura autorizou a demolição completa dele, por que oferecia risco a quem transitava pelo local.

Paulo,
ResponderExcluirNão sei por qual razão perdi a oportunidade de conhecer o local. Lembro que, numa daquelas noites em Salvador, fomos a um puteiro na Cidade Baixa e, já no final, eu me excedi na bebida - coisa rara na minha vida - e terminei no quartel, em plena ressaca. Daquelas piores. Tenho enxaquecas.
Acho que foi por isso que não os acompanhei ao Varandá.
Outra lembrança de Salvador foi um exame médico em que todos ficamos completamente despidos no salão. Situaçao muito constrangedora ficar pelado na frente dos colevgas. Até hoje não entendo o motivo daquele “exame”, já que éramos apenas visitantes e não candidatos a soldado.
Tive também uma experiência desastrosa com patins. Não sei se você se lembra: havia uma quadra para patinação e eu me aventurei a calçar aqueles sapatos com rodas. Deslizei um metro e caí como uma jaca madura.
Passei quinze dias viajando com dor no cóccix.
Esqueci de comentar sobre outra surpresa com Salvador. Caminhei por um dos bairros centrais da cidade, não era o Pelourinho, mas era um bairro de construções precárias sem ser favela. Havia boa urbanização. A surpresa foi a quantidade negros . Não eram mulatos, eram negros como um barro de Narobi. 100% de negros.
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