"Depois de aposentado, o Prof. Newton Gonçalves não perdeu o hábito diário de, após o café matinal, arrumar-se, impecavelmente, de paletó e gravata, como se fosse para a universidade, ou estivesse esperando visitas já agendadas. Na verdade, ele andava apenas uns poucos passos para ficar no seu aconchegante gabinete, repleto de estantes de livros valiosos, sendo alguns de notável valor estimativo, onde se comprazia, por horas a fio, com a prazerosa leitura de suas preciosas obras, não se dando conta da marcha do tempo. No turno vespertino, essa prática prosseguia, deixando-o absorto, imerso em tantas leituras."Como não contei a seguinte história a Marcelo (que a repassaria a vocês, certamente), cuido eu mesmo de relatá-la:
Em 1971, o Serviço de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFC tinha a regência de três luminares: Haroldo Juaçaba, Paulo Machado e Newton Gonçalves. O destino me colocou no serviço do Prof. Newton Gonçalves para cumprir meus obrigatórios dois meses de internato na Cirurgia.
Certa vez, o Prof. Newton me interrogou sobre o significado de uma expressão que eu havia escrito num prontuário médico. Na véspera, eu havia feito a admissão de um paciente para uma cirurgia eletiva e, relativo ao exame físico, registrei em seu prontuário a expressão "movimentos apendiculares".
De fato, existem o esqueleto axial e o esqueleto apendicular, este último formado pelos ossos dos membros superiores e inferiores, pela cintura escapular e pela cintura pélvica (em contraposição ao esqueleto axial que é composto de cabeça, caixa torácica e coluna vertebral) O esqueleto apendicular, portanto, é o que reúne os ossos dos membros superiores, inferiores e os elementos de apoio, denominados cíngulos, que os conectam ao tronco.
Eu havia lido isto em algum compêndio médico e quisera impressionar o erudito mestre.
Prof. Newton sorriu, mas foi um sorriso que dizia tudo. E nunca mais utilizei-me da referida expressão que só fica bem no linguajar de uma pessoa pedante.