CEARÁ, SAÍ FICANDO LÁ

Fernando Gurgel Filho
(para mim)
Em relação à publicação de: Canção do Exílio
Quando era diretor da Casa do Ceará em Brasília escrevi estes versos:
CEARÁ, SAÍ FICANDO LÁ
Quando vim do Ceará
Não trouxe nada de lá,
Só a saudade do mar,
Um coração que partia,
Futuro que não existia,
Vontade de voltar um dia.
Pessoas amadas se foram
Outras com amor vieram
E a ficar me obrigaram.
Muitas coisas esqueci,
Outras tantas eu perdi,
Mas de lá nunca saí.
Um amigo musicou: HINO DA CASA DO CEARÁ (2012)

PESAR POR ELENITA MARIA PINHEIRO DA FONSECA

Consto aqui, neste momento de saudade, o meu voto de pesar pela falecimento da Dra. ELENITA MARIA PINHEIRO DA FONSECA, cujo fato (16) se deu em consequência da Covid-19.
Médica formada pela Universidade Federal do Ceará, no ano de 1971 (na Turma Andreas Vesalius / Carlos Chagas, da qual faço parte), Elenita tinha como especialidade médica a Pneumologia.
Era anima e cuore do Coral da Unimed Fortaleza.
Em vídeo que foi postado pela Sobrames Ceará, o colega Dr. Elias Boutala Salomão dedicou-lhe as seguintes palavras:
"Bela, altiva e elegante. Bondosa como só ela sabia ser. De repente, resolveu usar suas asas para alçar um longo voo rumo ao Paraíso. Fico imaginando a festa que foi preparada para sua chegada.
Tu eras tão útil aqui na Terra, mas o Criador achou que precisava de uma ajudante do teu naipe. Ficamos órfãos de tua presença sempre marcante e festejada. Foste uma amiga ímpar, uma serva de gestos grandiosos.
Quantos, através de tua bondade e amor ao próximo, conseguiram o que desejavam com tanta ansiedade. Amiga, meiga e bondosa, filha exemplar, mãe batalhadora, médica sempre disponível, ajudando os necessitados em coisas quase impossíveis. Sofreste muito. Deus te tenha. Tu não serás esquecida. Deixaste a marca da bondade e do amor ao próximo."

Dra. Elenita e Dr. Elias

A GRATIDÃO DO CAJUEIRO

Rogaciano Leite
Mais de setenta anos marcam hoje a distância do dia em que uma garotinha humilde plantou com a sua "mão ingênua e mansa" uma exuberante castanha de caju nas areias cálidas de Aracati. Naquele gesto havia beleza e carinho, mas nunca, talvez, a esperança de que em futuro muito remoto aquela semente se transformasse em fronde acolhedora, com folhas cariciosas, gordos e saborosos frutos para premiar com a sua gratidão vegetal a mão frágil e pobrezinha que a plantara.
Diferente da ingrata amendoeira de Raul de Leoni, que "ergueu os ramos pelo muro em frente e foi frutificar na vizinhança", o cajueiro plantado pela então garotinha de Aracati, soube reservar todas as suas energias criadoras para fazer com que a hoje velhinha que o plantou recebesse do sr. Ministro da Agricultura um prêmio de dois mil e quinhentos cruzeiros pelo maior caju produzido naquela cidade, por ocasião da festa que o dinâmico deputado Ernesto Gurgel Valente organizou e dirigiu.
E a velhinha, que jamais em toda a sua vida houvesse pegado em tão "volumosa" importância, mandou, com esse dinheirinho, substituir por paredes mais sólidas e telhas de barro a palhoça que vinha ameaçando ruir sobre uma atormentada e esquecida existência de 70 anos.
E talvez a velhinha morra numa estação do ano em que o cajueiro agradecido possa cobrir de flores a mão que o plantou.
Quanta gente, neste mundo, precisaria ter a gratidão do cajueiro de Aracati.
Fonte: Gazeta de Notícias (CE), 11 de janeiro de 1957. Esta crônica foi lida e transcrita nos Anais da Assembléia Legislativa.
Via: http://www.facebook.com/centenariorogaciano.leite.1

MANIFESTO PELA CULTURA NORDESTINA

Por Prof. André Bastos Gurgel
Docente de Análise e Produção de Textos da Faculdade Rodolfo Teófilo
O brasileiro, principalmente o nordestino, é portador de uma doença grave, uma enfermidade que maltrata o intelecto. Trata-se do ‘complexo de vira-lata’! Embora não tenha sido catalogado como uma doença grave, o complexo de vira-lata é altamente contagioso, mas seu conceito e seus sintomas nunca foram descritos na literatura médica. Se o leitor quiser aprofundar-se no tema, deverá primeiramente consultar os escritos do célebre escritor Nelson Rodrigues, que assim o definiu:
“Por ‘complexo de vira-lata’ entendo eu a inferioridade em que o brasileirose coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima.”
Agora que o leitor já está familiarizado com o conceito, deve ter percebido que todos nós sofremos desta enfermidade, e que Nelson Rodrigues, melhor que qualquer médico famoso, descreveu o mal de que padecemos. Afinal, será que valorizamos a nossa cultura nordestina? Qual foi a última vez que lemos uma obra de cordel? Será que somos familiarizados com a riquíssima tradição, com o folclore do nosso estado e dos nossos vizinhos? Será que podemos afirmar que valorizamos nossa cultura só pelo fato de nos vestirmos de ‘caipira’ durante as festas juninas e comermos comidas típicas?
Há países que valorizam suas culturas, pois tem ciência do legado de seu povo. A França divulga sua cultura pela Aliança Francesa; a Itália, pelos Institutos de Cultura Italiana (ICI); a Alemanha e a Espanha, pelo Instituto Goethe e Instituto Cervantes, respectivamente. Até mesmo aqui no Brasil temos os ‘Centros de Tradições Gaúchas’ (CTGs). Agora faço uma pergunta: por que não existe aqui um bem montado centro de tradições nordestinas aqui no Nordeste? A resposta está no nosso complexo de vira-lata!
Pensando nisso, a Faculdade Rodolfo Teófilo (FRT) decidiu criar o Espaço Ariano Suassuna para a preservação e disseminação da nossa cultura. O Espaço foi assim batizado porque não há escritor que tenha expressado melhor a alma do nordestino do que o autor das obras ‘Auto da Compadecida’, ‘Farsa da Boa Preguiça’ e ‘Santa e a Porca’. Ariano Suassuna foi um homem sem igual, que amava sua cultura. Embora respeitasse muito a cultura de outros países, dizia, citando suas próprias palavras, que não trocava seu oxente pelo okay de ninguém.
Dentre as atividades do Espaço Ariano Suassuna teremos:
Teatro: Serão estudadas várias peças de autores nordestinos. No semestre passado, os alunos interpretaram o ‘Auto da Compadecida’. O áudio produzido na ocasião será doado à Sociedade de Assistência aos Cegos.
Literatura de cordel: os alunos lerão obras-primas da literatura de cordel, como por exemplo ‘As Façanhas de João Grilo’.
Literatura e poesia: os participantes aprenderão mais sobre nossos grandes poetas.Além do próprio Rodolfo Teófilo, também vamos estudar Clarice Lispector, Castro Alves, Ariano Suassuna etc. Durante os encontros, os alunos terão oportunidade de aprimorar a arte de declamar e falar em público.
Música: Será estudada a tradição musical do nosso povo, com ênfase em cantores como Luiz Gonzaga e Dominguinhos. Os alunos serão incentivados a estudar a música popular e folclórica. Também estudaremos as tradições musicais de outros estados nordestinos, incluindo o frevo e o coco.
Pesquisa científica: O ‘Espaço Ariano Suassuna’ também oferecerá subsídios ao aluno que quiser escrever ensaios e desenvolver pesquisas relevantes sobre o Nordeste.
Escrita criativa: Atenção especial será dada ao desenvolvimento de contos, romances e resenhas criativas.
Para participar desse projeto pioneiro, só há um pré-requisito: vontade de livrar-se do complexo de vira-lata e de aprender mais sobre nossa cultura. As aulas serão abertas ao público, podendo participar pessoas de todas as idades, quer sejam alunos da FRT ou não.
As palestras introdutórias ocorrerão remotamente nos dias 10/09/20, às 17h, e 12/09/20, às 14h30. Serão enviados os links para os interessados.
e-mail: andrebgurgel@gmail.com
telefone/whatsapp 99924 7878
site: http://blogdomarcelogurgel.blogspot.com/2020/09/manifesto-pela-cultura-nordestina.html

ESTIRÃO DO EQUADOR

Havia a presença de um oficial médico em cada pelotão de fronteira no Solimões. Quando um destes pelotões (eram quatro), por qualquer razão, ficava sem o seu esculápio, cabia ao Hospital de Guarnição de Tabatinga (HGuT), sediado em Benjamin Constant, indicar o profissional substituto.
Tínhamos uma escala no hospital para atender essas necessidades. Em geral, designava-se um médico R2 para assistir o pelotão por um tempo mínimo de 15 dias.
Ao passar a direção do HGuT para o Dr. Cunha, um major médico transferido de Belém, daí em diante fui incluído na escala. Em pouco tempo, lá estava eu em Estirão do Equador.
Situado à margem direita do Javari, num trecho em que o rio é um retão, o pelotão não tinha sequer um aldeamento civil ao redor. Eram as instalações militares, a selva, o rio e, do outro lado, o Peru. Comandava o efetivo militar local um primeiro-tenente de infantaria.
Ao sermos apresentados, ele e eu sabíamos das nossas posições na hierarquia militar. No confronto, eu era mais antigo, e antiguidade é posto, como se diz na caserna. Não era à toa que existia o Almanaque do Exército para dirimir eventuais impasses.
Após me informar sobre a hora da formatura matinal, o comandante do pelotão me indagou se eu pretendia comparecer. Respondi que não. Ficasse ele dispensado de apresentar-me a tropa em forma nas alvoradas. Eu  sairia do café diretamente do alojamento para a enfermaria do pelotão, onde estaria à disposição dos militares que alegassem doenças.
A enfermaria, o refeitório e o alojamento constituíram o meu espaço em Estirão do Equador naqueles 15 dias. Felizmente, todas as portas e janelas das citadas instalações eram teladas, além disso eu passava o Repelex no corpo. O que aprendi ser necessário, pois os insetos hematófagos não davam trégua. Naquelas bandas, o pium (de hábitos diurnos) passava o serviço para o carapanã (de costumes noturnos). (1)
O rancho, meu Deus, era à base de enlatados. O que acontecia com menor frequência em Benjamin Constant, onde aparecia um tambaqui fresco no almoço e, à noite, podíamos ir comer um churrasco no restaurante do Magalhães. Isso para não falar como as cozinheiras do hospital sabiam disfarçar a origem industrial de um fiambre.
Aproveitei o período no Estirão para realizar uma arrumação completa dos medicamentos nas prateleiras da enfermaria. A fim de facilitar a dispensação a quem me procurasse no consultório, o que quase não aconteceu.
Chumbo miúdo
De volta a Benjamin Constant, tive uma reunião difícil com o diretor do hospital. Ele tomara 
conhecimento da existência de um grande estoque de "Pulmocilin" na farmácia hospitalar. E sugeria que eu, na qualidade de médico pneumologista, não só prescrevesse o produto como também encorajasse o corpo clínico a fazer o mesmo. Fiz ponderações a respeito.
No ano anterior, o grande (na cordialidade e no tamanho) Dr. Antônio Marques, meu chefe no Pavilhão de Isolamento do Hospital Central do Exército, casualmente elogiou as propriedades desse produto farmacêutico, chamando-o carinhosamente de "chumbo miúdo".
O que me levava a não aceitar o tal "Pulmocilin"? Sua composição e dosagens. Uma injeção continha duas penicilinas (G potássica + G procaína); estreptomicina; antígenos bacterianos polivalentes etc. etc. etc. De fato, fazia jus ao apelido.
Tempos depois, em 1996, "Pulmocilin" (2) teve o registro suspenso. Constou do parecer em seu desfavor: "As especialidades farmacêuticas para uso oral e parenteral de efeito sistêmico contendo associações numa só formulação de antimicrobianos entre si e/ou outras substâncias medicamentosas são cientificamente injustificáveis, devendo ser retiradas do comércio e proibida sua fabricação."
Ressalte-se que, à época em que isso aconteceu, "Pulmocilin" até vinha apresentando uma composição mais enxuta.