por BARROS ALVES *
Nunca é demais repetir que o nosso Ceará é berço de nomes exponenciais da cultura brasileira, tendo doado ao cenário nacional e internacional nomes que ontem como hoje se alteiam nas lides das artes e das letras. Algumas dessas personalidades dão contribuição imensa ao fazer literário nacional e imortalizam-se não pelo fato de serem consagrados pela imortalidade acadêmica, que, na verdade, em não raros casos serve apenas para atiçar vaidades; mas, sobretudo, pela produção intelectual que se insere como registro imorredouro no corpus cultural do País. Quase sempre a comunicação de massa exercitada pelas grandes mídias, passa ao largo de importantes nomes do cenário literário, sobretudo quando suas preocupações prendem-se a aspectos regionais deste País continental. Mas, esse olhar regional é pleno de universalidade, porque jamais haveria o todo sem as partes, notadamente quando se trata de compreender da formação cultural de um povo.
J. B. Serra e Gurgel é um desses escritores preocupados com a perenização do "rio da sua aldeia", para lembrar o verso pessoano, exatamente porque o rio que corre em sua aldeia é o mais belo e contém um poder de permanência que transcende o tempo. Sertanejo nascido nos sertões de
Acopiara bateu pernas por esse Brasil afora, e desde o Seminário do Crato, passando por Fortaleza até o Rio de Janeiro e Brasília, palmilhou caminhos adustos e tapetes palacianos, cavalgando os sonhares de sua gente e construindo uma obra múltipla e polimorfa não apenas na seara bibliográfica, mas na ação cotidiana que forja uma biografia assentada na solidariedade e na fidelidade aos valores que consolidam o sentido de cidadania sem adjetivações.
O jornalista, cronista, dicionarista e memorialista J. B. Serra e Gurgel, fincou raízes na capital federal, mercê das responsabilidades profissionais que assumiu e na rede de amizades que o jungiu a plagas distantes do seu Ceará. Todavia, o sentimento telúrico jamais o abandonou um só momento, refletindo-se de forma poderosa em suas obras, que têm jeito e cheiro de Brasil, mas, sobretudo, cheiro de Nordeste, de Ceará, de sertão. O seu "
Dicionário de Gíria – Modismo Lingüístico, o Equipamento Falado do Brasileiro", já em 9ª edição, é uma obra extraordinária resultante de pesquisa beneditina e, certamente, de esforço hercúleo, porque para a consecução de tão pujante e completa obra sobre o falar do povo, necessário se faz não apenas felina capacidade de observação, dedicação, persistência, mas um verdadeiro esforço físico e intelectual que debilitaria qualquer um que não tivesse determinação, fortaleza, resiliência.
Mais recentemente, J. B. Serra e Gurgel, em suas lides como voluntário na
Casa do Ceará em Brasília, não permite tréguas ao seu desiderato de pesquisador e escritor. Publicou registros biobibliográficos e memórias da maior importância para a história do Ceará e do seu torrão natal, em especial. Na obra "Nas Terras do Senhor Meu Rei", publicada em dois volumes, ele discorre com proficiência sobre a vida ilustres personagens que,
igualmente o Ashaverus da tradição judaica, deixaram o Ceará para construir onde se assentaram na capital federal, com a argamassa do espírito e muito trabalho, verdadeiros edifícios de cearensidade, num exercício pleno e profícuo de adaptação sócio-cultural.
Em "
Nas Terras do Senhor Meu Pai", um repositório de relembranças, desfilam pessoas, coisas, fatos, episódios da sua amada Acopiara, que o memorialista resgata com um grande sentido de pertencimento à gleba que o viu nascer. É como se aquela cidade ainda acanhada, aquele povo pouco citadino, com jeito de indisfarçável ruralidade onde perdura o acolhimento, aquele calor permanente que envolve terra e povo, seja a seiva com que J. B. Serra e Gurgel fala amorosamente de sua gente e dos seus primitivos pagos nos sertões da Acopiara, sempre bela e carinhosa para o olhar amante do poeta ausente de corpo, mas sempre conduzindo a amada no coração, na mente, na alma.
* Este artigo foi publicado em
O ESTADO de 22/12/2021. O autor é jornalista, poeta e assessor parlamentar.
N. do E. José Sampaio de Lacerda Jr. e Fernando Gurgel Filho escreveram comentários.