O DIABO A QUATRO

Fazer o diabo a quatro significa fazer coisas espantosas, causar grande confusão, provocar balbúrdia etc. Origina-se essa locução dos autos medievais quando, para atemorizar ao máximo os espectadores, ao invés de um só personagem fazendo o papel do diabo, vinham quatro. Fiquemos acertados sobre o seguinte:
Se as diabruras eram pequenas, dois deles em cena já bastavam. Mas, para se criar um completo pandemônio, aí só com quatro diabos.

Em italiano: fare il diavolo a quattro; em francês: faisaient le diable à quatre.
Blog EM, 12/02/2010
Em 22/11/2021, Ana Margarida Arruda Rosemberg disse...
Parabéns, pela postagem!
Para ilustrar compartilho um depoimento oral do tio Ananias. Entrevista concedida ao papai, Miguel Edgy, no final da década de 1970.
Abro aspas para o tio Ananias:
"Eurico Arruda fundou um jornal com o Júlio Severiano - o jornal "O momento" . Tive a ideia de fundar um jornal católico. Fui ao monsenhor Manoel Cândido que falou da tipografia do Joaquim Matoso, do antigo jornal "O município". Disse que ia conseguir a tipografia emprestada. A VERDADE foi fundada em abril de 1917".
Obs: segundo outras fontes, o nome do Jornal de Eurico Arruda era: "O DIABO A QUATRO.

OS ARRUDAS DE BATURITÉ arquivo PDF (p.106)

A JANGADA ESMERALDA

Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba; Verdes mares que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros; Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas. Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao fresco terral a grande vela? Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidões do oceano?
(José de Alencar, in: "Iracema")

Minha jangada de vela
Que vento queres levar?
Tu queres vento de terra
Ou queres vento do mar?

(Juvenal Galeno, in: "A Jangada")


Descrição da jangada
Uma base em granito preto correspondendo às tábuas de uma jangada. Numa de suas bordas está escrito com letras brancas: FORTALEZA - FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (1).
Sobre a base da jangada, assentam-se:
- Um triângulo escaleno de acrílico na cor verde, o qual representa de um modo estilizado a vela de uma jangada. O triângulo ostenta as fotos em preto e branco de 95 dos formandos de medicina (2) do ano de 1971, vestidos de beca e com boina. No vértice mais elevado do triângulo há também uma imagem do bastão de Esculápio, o símbololo da medicina.(3)
- Uma estatueta em bronze, a qual reproduz a célebre cena do médico abraçado a um paciente a protegê-lo da ceifadora de vidas.
- Uma placa de cor grafite, na qual está escrito verticalmente com letras brancas vazadas: MÉDICOS DE 1971.
(1) algumas das palavras estão abreviadas;
(2) supõe-se que 2 colegas não providenciaram as fotografias a tempo;
(3) uma cobra enrolada a um bastão ou cajado é o símbolo da medicina, que nos remete ao semideus grego Asclépio (Esculápio, entre os romanos). Na Grécia antiga, ele tinha templos em sua homenagem onde os doentes eram levados para serem tratados. E cobras ficavam em torno desses templos por serem consideradas benéficas aos doentes.
Confeccionada em 1971 para a nossa colação de grau, a jangada acompanhou a turma de médicos em alguns de nossos encontros nos últimos 50 anos. Mas não esteve presente no encontro de 2021 devido à deterioração então alcançada pelo objeto. Foi nesse encontro, em palestra dedicada aos colegas inesquecíveis, que fiz uma comparação da nossa jangada com o navio de Teseu. 
Por séculos mantido como um troféu no porto de Atenas, o navio de Teseu fazia uma navegação anual para Creta a fim de reencenar a viagem vitoriosa. Quando o tempo começou a corroer a embarcação, seus componentes foram substituídos um por um - novas pranchas, remos, velas - até que nenhuma peça original permanecesse. A ponto de Plutarco perguntar se ainda era o mesmo navio.
E deste escriba também perguntar: se ainda é a mesma jangada? Com algumas tábuas a menos, por não haver como substituir aquelas que foram perdidas no enfrentamento às vagas impetuosas, ainda é mesma jangada da vela esmeralda que continua a singrar, não as águas do mediterrâneo Egeu, mas os verdes mares bravios da nossa terra natal, etecétera e tal.

MEDROSO DE AMOR

Na bela Paris, em algum dia do ano de 1894, o pianista cearense Alberto Nepomuceno (1864 -- 1920) musicou o poema "Medroso de Amor", de seu conterrâneo, o poeta e folclorista Juvenal Galeno (1836 --1931). Na união das competências de dois nacionalistas o resultado não poderia ser outro: a brasilidade da obra.
No poema aparentemente ingênuo, até brejeiro, Juvenal Galeno, realça as virtudes de um tipo genuinamente brasileiro - a moreninha - que habitava o imaginário popular da época com seu poder de seduzir, definitivamente, pelo sorriso meigo e olhar apaixonado. 
Embora fosse músico erudito, Nepomuceno defendia com unhas e dentes a língua portuguesa. Ficou famosa uma frase supostamente a ele atribuída - "Não tem pátria um povo que não canta em sua língua"."Medroso de Amor" se destaca na vasta obra de Nepomuceno por ser uma de suas primeiras incursões no universo popular.
Nesta obra o músico cearense parece ir buscar elementos rítmico-melódicos da modinha, estilo musical romântico bastante popular no Brasil na metade do século XVIII e que teve como grande nome Domingos Caldas Barbosa, um descendente de escravo que fez grande sucesso na corte portuguesa do século 18. A música chegou a merecer análise de Mário de Andrade em "Ensaio Sobre a Música Brasileira".
http://www.drzem.com.br/2013/02/belos-poemas-que-viraram-musicas.html
Em 1968, Nara Leão gravou "Medroso de Amor", apoiada em arranjos de Regis Duprat, uma versão modernizada, sem as impostações líricas da maioria das versões interpretadas por sopranos:

Em 2008, "Medroso de Amor" foi interpretada pela soprano Patrícia Endo com o aconpanhamento do pianista Dante Pignatari:

O VESTIBULAR EM QUE CAIU CECÍLIA MEIRELES

O vestibular que nos levou à admissão na Faculdade de Medicina da UFC constou de cinco provas aplicadas em dias separados: 
Física, Química, Biologia, Português e Inglês.
Cada candidato, portanto, teria que matar cinco leões. De olho no desempenho geral dos gladiadores, pois havia cerca de oitocentos candidatos para as cem vagas da Medicina.
Surpreendendo os candidatos com o poema SURPRESA, o processo seletivo de 1966 ficou conhecido como "O vestibular da Cecília Meireles". Não era frequente em competições do tipo a escolha de uma poeta da Segunda Geração do Modernismo (*) para a análise literária pelos candidatos.

SURPRESA

Trago os cabelos crespos de vento
e o cheiro das rosas nos meus vestidos.
O céu instala no meu pensamento
aos seus altos azuis estremecidos.

Águas borbulhantes, árvores tranqüilas
vão adormentando meus tempos chorados.
E a tarde oferece às minhas pupilas
nuvens de flores por todos os lados.

Ó verdes sombras, claridades verdes,
que esmeraldas sensíveis hei nutrido,
para sobre o meu coração verterdes
mirra de primaveras e de olvidos?

Ó céus, ó terra que de tal maneira
ardente e amarga tenho atravessado,
por que agora pensais com tão fino cuidado
vossa mansa,calada, ferida prisioneira?

Cecília Meireles
In: Mar absoluto (1945)

OU ISTO (a poeta-surpresa na prova de Português) OU AQUILO (o grau de dificuldade das questões formuladas no vestibular), digamos que os dois: os fatores concorrenciais para que apenas um terço das vagas disponíveis fossem inicialmente preenchidas. Seguiram-se: revisões de provas, um segundo certame e novas revisões a fim de que todas as vagas ofertadas fossem finalmente preenchidas.
As listas com os nomes dos aprovados foram afixadas num saguão da Reitoria. Na lista da Agronomia, um deles saiu com nome e apelido (Titico). Com o tempo, seríamos apresentados por um amigo comum, o violão.

(*) Destaques da 2.ª Geração: Carlos Drummond, Vinícius de Moraes, Jorge de Lima, Mario Quintana e Cecília Meireles.