Carlos José Holanda Gurgel
A briga vem de longe e não tem nenhum sentido. Não existe disputa político ou intriga familiar ou algum fato concreto que justifique tal rivalidade. A disputa entre cidades vizinhas é até normal e não é nenhuma novidade. O fato é que essa velha disputa entre Acopiara e Iguatu é histórica e recheada de fatos pitorescos. Sou natural de Acopiara, mas morei pouco tempo lá. Era muito pequeno, apenas com cinco anos, quando meu pai fugindo da seca de 58 e dos seus reflexos sociais e econômicos e das dificuldades para criar os filhos, veio morar em Fortaleza. A partir dessa mudança eu somente retornava para Acopiara durante as férias escolares. Como minha mãe era natural de Iguatu e até hoje tenho família e parentes por lá, também passava parte das férias escolares nessa cidade vizinha. Ficava dividido, mas invariavelmente passava as férias no interior. Iguatu ou Acopiara? Era o grande dilema. E por conta da “dupla cidadania” sofria dos dois lados. Se estivesse em Acopiara tinha que aguentar as brincadeiras e os xingamentos contra os moradores e as mazelas da cidade de Iguatu. Se ao contrário, pior ainda, pois era acopiarense nato. Não aliviavam nas brincadeiras e por vezes na humilhação dos conterrâneos e nos comentários maldosos sobre minha pequena cidade natal. Nem mesmo meus primos do Iguatu tinham qualquer compaixão. Baixavam o sarrafo, como se diz. E eu lá, sem saber para onde correr. Defendia, argumentava, justificava e de nada adiantava. Nunca levava vantagem diante da evidente desvantagem.Em que pesem as discussões e os constrangimentos sofridos por conta dessa rivalidade, nem por isso me afastei das cidades. Ao contrário. Sonhava durante todo período letivo com as férias “nos matos”, como chamavam pejorativamente meus amigos da capital e se referindo às duas cidades. Bem, nesse caso menos mal, afinal não dava para comparar Acopiara ou Iguatu com Fortaleza. Capital é capital, e não se discute. Mas na minha visão, prioridade e vontade nem passava perto a idéia de ficar em Fortaleza durante as férias. Fazendo o que dentro de casa? O bom mesmo era no interior, lá nas brenhas, como se falava. E era esse o entendimento dos meus primos e demais estudantes que tiveram a mesma sina de ter que morar e estudar na capital. O sonho da liberdade total e sem qualquer compromisso com horários. Festas e mais festas, pescarias, caçadas, bebedeiras e tudo que é diversão. Jogar bola, sinuca, baralho e até pedra no telhado do vizinho. Tudo valia para passar o tempo. Até dormir de dia para virar a noite nas farras. E tudo isso durante quatro meses. É muito? Que nada. Era isso mesmo e eu ainda achava pouco. Naquela época, acreditem, as aulas transcorriam em períodos bem definidos assim como as sagradas férias. As férias eram gozadas em dois períodos: no meio do ano, no mês de julho e no final do ano, nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro. Isso para quem passava por média. Para quem ficava em recuperação vinha o castigo. Perdia o mês de dezembro com aulas de reforço e provas. Um martírio para quem aguardava ansiosamente a viagem para o “paraíso” depois de quatro torturantes e intermináveis meses de aulas.
Mas retomando as históricas disputas, relembro algumas das infames brincadeiras e insultos trocados entre os moradores das cidades. Por conta da sua acidentada geografia, a maioria das ruas em Acopiara possui acentuadas subidas e descidas, as chamadas ladeiras. A turma do Iguatu aperreava dizendo que para se tomar sopa em Acopiara era necessário calçar o prato com um tijolo senão a sopa entornava. Pronto, tava feita a confusão. A turma de Acopiara devolvia dizendo que em Iguatu tinha uma vantagem, não precisava esquentar a sopa para servir. Bastava colocar a sopa na janela que ela fervia, em alusão ao calor infernal reinante na cidade. As discussões chegavam ao ridículo de comparações tipo qual era a cidade em que mais se bebia, em qual mais se brigava, qual tinha o pistoleiro mais valente e cruel, entre outras inutilidades. Isso sem falar nas tradicionais disputas de futebol, qual o melhor carnaval, onde as mulheres eram mais bonitas, onde residiam os comerciantes mais ricos e outros temas inusitados. Até uma disputa para saber qual das duas cidades tinha o homem mais feio ocorreu. Nessa briga Iguatu ganhou disparado com o incrivelmente feio e malfeito “Chico Beiçola”. Se bem que Acopiara apresentou um forte concorrente, o “Galba Zoião”. Pense num macho feio!
Do ponto de vista econômico, a briga era desigual. Iguatu sempre foi uma cidade bem maior, mais do dobro do tamanho, com varias indústrias e intenso comércio, agricultura de porte e pecuária desenvolvida. Mas a cidade tinha seus pontos fracos. Curiosamente e inexplicavelmente perambulava pelas ruas de Iguatu um grande contingente de malucos maltrapilhos. Chamava atenção nas décadas de 60/70 a incrível quantidade de doido na cidade. Que eu me recordo: Chico Siebra, Maria Doida, Neném Teixeira (lançou a moda da minissaia no sertão), Baú, Calorzinho, Zeca Peidão, Maria Leão, Turica, entre outros menos conhecidos. E nisso a turma de Acopiara não aliviava. Bastava chegar alguém de Iguatu que vinha logo a gozação: ih, chegou mais um doido do Iguatu! E tome bate-boca e xingamentos mútuos. E não raro os ânimos se exaltavam e os rivais saíam no braço.
Também me recordo das famosas brigas sobre a existência ou não de homossexuais nas cidades. Naquela época a homofobia era tolerada e não existia a onda do politicamente correto e muito menos se falava em direito de minorias. Nenhuma cidade do interior aceitava livremente as opções sexuais não convencionais e os homossexuais eram xingados e perseguidos. O simples fato de um homem usar cabelo comprido já era motivo de piadas e provocações. Imagine então se vestir de mulher e pintar as unhas. Pois não é que apareceu uma “bicha”, dessas bem escandalosas, lá em Iguatu. A dita cuja tinha o interior do estado todo para escolher, mas optou por morar justamente em Iguatu. Foi um prato cheio para a turma de Acopiara. Não faltavam piadas quanto a masculinidade dos homens do Iguatu e, para completar, um belo dia a “boneca” teve a coragem de ir passear em Acopiara. A cidade quase foi abaixo. A figura exótica, que atendia pelo codinome de “Sol” (abreviatura de Solange), simplesmente arrasou. Talvez por vingança, por conta das humilhações sofridas, abriu a agenda e o coração. Contou tudo e ainda por cima “entregou” uma meia dúzia de ilustres moradores iguatuenses que se diziam muito macho. A galera de Acopiara foi ao delírio. Essa história ficou atravessada na garganta dos machos iguatuenses e até hoje rende gozações. Foram inúmeras as brigas, ameaças e juras de vingança. Dizem que teve até morte por conta desse fato. Coisas de interior. Coisas do meu Ceará.
4 comentários:
Transcrevo este e-mail recebido:
(...) diverti-me bastante, hoje à noite, com Rixas, tricas e futricas. Como você também passava as férias em Iguatu, onde nasci e de onde vim com 6 anos para Fortaleza, pelo mesmo motivo.
São histórias e histórias que se repetem nas vidas de cada um de nós que vivemos na mesma época. Vale a pena lembrar.
Um grande abraço,
Auxiliadora
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À colega Auxiliadora:
Este divertido texto, citado por equívoco como sendo meu, foi escrito por outro Gurgel, o Carlos José Holanda.
Na época, eu passava minhas férias em Senador Pompeu, perto de Acopiara, mas que conseguia manter a neutralidade nesse conflito.
Paulo,
Meu primo Humberto Costa que foi gerente do Banco do Brasil em Iguatu confirma a divertida história da peleja entre Acopiara e Iguatu. Faz, no entanto, uma ressalva: o nome de um dos malucos beleza era Kaluzinho e não Calorzinho.
Meu primo, um grande gozador, tambem tem muitos casos divertidos para contar. Lembro-me de um deles em que durante a primeira visita ao sogro, este o conduziu para o fundo da casa e, apontando para o horizonte, prometeu: Tudo isso que a vista alcança será seu.
A frase foi um grande estímulo para a concretização da comunhão de bens. Humberto casou-se e foi cobrar a promessa. O sogro, um gozador da melhor cêpa, confessou que era muito míope e que sua vista alcançava apenas quatro metros de distância, portanto, a herança prometida dava apenas para fazer um garagem para um carro. Carro pequeno, evidentemente.
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Paulo,
Humberto quer saber quem é o autor do texto. Mande mais detalhes.
Nelson,
Não conheço o Carlos José Holanda Gurgel, o autor do texto, pessoalmente.
Seus textos (4) chegaram ao Linha do Tempo, através de meu irmão Germano Gurgel (não todos), de quem Carlos José é companheiro de trabalho na Petrobrás.
É engenheiro formado pela UFC e professor na área de pós-graduação da Unifor.
Abraços.
AMIGOS DE LONGAS DATAS DO BAIRRO FARIAS BRITO, HÁ MUITO QUE PERDI SEU CONTATO E COM O MACELO, EMBORA MORANDO PERTO. A ÚLTIMA VEZ FOI NO ANIVERSÁRIO DE I ANO DA MINHA FILHA QUE HOJE ESTÁ COM 14 ANOS. TENHOS MUITAS NOTÍCIAS PARA CONTAR UMA DELAS É QUE O FILHO DO SR. ANTONIO CAMELO O TEN. BRIGADEIRO JENILO CAMELO ASSUMIO RECENTEMENTE O STM. ABRAÇOS WILSON RAMOS
MEU CEL 85 99983 6211 wilsonbramos@hotmail.com
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