por Geraldo Maia
Os dias que antecederam ao 13 de junho de 1927 foram de muita agitação para a população. Boatos alarmantes davam conta da penetração de cangaceiros no solo potiguar, e que o objetivo da malta era atacar Mossoró, a segunda maior cidade do Rio Grande do Norte.Antônio (Valeriano) Gurgel do Amaral, o Coronel Gurgel (foto), destacada figura nos meios políticos e sociais do Estado, ex-prefeito de Natal, se encontrava na cidade e os boatos o estavam perturbando. Por precaução, resolveu pegar sua esposa que se encontrava na Fazenda "Brejo", uma propriedade da família que ficava próxima ao lugarejo Pedra de Abelhas, atual Felipe Guerra.
Fez a viagem de automóvel, tendo como chofer Francisco Agripino, mais conhecido pelo apelido de Gatinho. Acontece que por não conhecer bem a estrada que levaria à Fazenda, Gatinho muda o rumo e em determinado momento chama a atenção do Coronel para uns homens armados que se achavam à margem do caminho. Gurgel manda prosseguir a viagem, mas logo depois muda de ideia, pois o carro começa a ser alvejado pelos bandidos e perseguido por um cangaceiro, que de arma na mão exige que parem o carro. Era o cangaceiro Coqueiro, do bando de Lampião, que se aproximando do Coronel foi logo tomando-lhe a carteira de onde tirou um conto e quinhentos mil réis, a pistola automática e uma caixa de balas de rifle. Depois, revistando-o, tirou também a aliança, os óculos e o fez descer do automóvel dando-lhe "ordem de prisão".
Acontece que o rumo que Gatinho tomou, por engano, levou-os a uma faixa que havia sido ocupada pelos cangaceiros. E o Coronel Gurgel, depois de saqueado, foi escoltado à casa de Manoel Valentim, na Fazenda Santana, onde os chefes da malta se aquartelavam.
"Prendi um "coronelão", bicho de dinheiro!", grita Coqueiro aos comparsas.
Nesse momento Sabino Gomes, um dos subchefes de Lampião, encarando o Coronel, determina sua sentença:
"Você está preso por dez contos de réis!"
Depois desse rápido diálogo, foi apresentado ao Capitão Lampião e qual não foi sua surpresa ao descobrir que dois dos seus irmãos, José e Fausto, também se encontravam ali na qualidade de prisioneiros do grupo.
Num depoimento posterior, o Coronel Gurgel diz que Lampião perguntou a ele onde arranjaria o dinheiro para pagar o resgate seu e de seus irmãos, o que o mesmo respondeu que não lhe era fácil arranjar tão elevada quantia, especialmente ali. Talvez a conseguisse em Mossoró, onde tinha alguns amigos. Propôs, então, ir a Mossoró de carro, apanhar o resgate, deixando como garantia seus irmãos. Pediu, no entanto, um desconto. Sabino Gomes, que assistia a negociação, não gostou da ideia. Pelo atrevimento, aumentou o resgate para quinze contos de réis e determinou que o mesmo mandasse um dos seus irmãos, no carro, buscar o dinheiro.
O escolhido foi Fausto, que seguiu viagem levando um bilhete do Coronel Gurgel para Jaime Guedes, gerente do Banco do Brasil em Mossoró, onde dizia:
"Jaime: Estou preso pelo Sr. Virgulino, o qual exige quinze contos, preciso, porém, que você mande vinte e um contos para salvar-me e a meus irmãos. O portador é Fausto, a quem você despachará com urgência. Deus nos proteja. Antônio Gurgel. 12/06/1927".
Uma série de acontecimentos faz com que o portador não encontre mais o bando que, sendo vencido em Mossoró, foge para o Ceará. O Coronel Gurgel permaneceu com o bando até o dia 25 de junho, quando foi posto em liberdade para dar mais mobilidade ao grupo. Toda essa aventura foi registrada em um diário escrito pelo Coronel Gurgel, durante os dias de cativeiro.
"Nas Garras de Lampião (diário)" - é o título de um trabalho publicado em 1996 pelo historiador Raimundo Soares de Brito, onde reproduz o "Diário do Coronel Gurgel" com bastante ilustrações e notas de rodapé. É, por certo, o mais importante registro do que aconteceu com o bando de Lampião depois do ataque a Mossoró.
Maia, G. Coronel Gurgel. Jornal O Mossoroense. Publicado em 23/07/2005 e acessado em 23/07/2017
Maia, G. Algumas considerações sobre os Heróis da Resistência. Blog do Gemaia
Um detalhe curioso acrescentado a esta história por Rostand Medeiros:
Eu tenho a minha hipótese para o caso das moedas: o Coronel Gurgel era uma pessoa tão especial, tão interessante, que não recebeu nem uma e nem duas moedas de ouro dos cangaceiros, mas três. Uma de Luís Sabino e duas de Lampião, uma brasileira e duas inglesas. Daí, se esta hipótese for correta, talvez o coronel Gurgel seja o primeiro caso de um sequestrado neste mundo que, apesar de passar vários dias com seus algozes, voltou para casa ganhando presentes dos seus algozes na forma de três moedas de ouro tilintando no bolso.
Medeiros, R. O ouro dos cangaceiros para Yolanda. Tok de História
Para acessar o diário do raptado Coronel Gurgel:
Meneleu, R. Lampião e o Coronel - diário de um raptado. Caiçara dos Rios dos Ventos
Um comentário:
Matéria(Diário) impressionante, parabéns, nos levam numa viagem com os cangaceiros.
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