O mais inesquecível dos remédios da farmacopeia de minha mãe tinha o nome FIAT. Umas gotas amargas que ela pingava em um copo com água antes de ministrar. Dizia que era para combater o linfatismo, esse "estado mórbido de natureza constitucional que se manifesta na infância e regride na puberdade".
O "linfatismo", assim como a "enfermidade gris", são entidades de existência duvidosa. Considero-as desse modo, com o lastro de quase meio século no exercício da medicina. Suspeitando inclusive de que o amargo medicamento tenha sido o responsável pelos periódicos formigamentos que, à época, costumava sentir na região lombar.
E, se ele continha mesmo iodo (o "I" de FIAT), então fica confirmado.
Havia também os vermífugos que Dona Elda anualmente administrava à filharada. Não recordo os nomes (dos vermífugos, bem entendido), mas certamente não estava entre eles o "Tetracloroetileno" do laboratório Lafi. Ah, este seria por mim facilmente lembrado, tal a enorme quantidade de "pérolas" que o opilado tinha que ingerir.
Numa certa época, alguns de nós fomos acometidos de umas pequeninas e pruriginosas lesões de pele. Mamãe reservou uma pia do banheiro só para realizar o tratamento coletivo. Encheu-a de água, e no líquido acumulado despejou um pozinho misterioso. Então, fizemos abluções com aquela solução azulada até ficarmos curados.
Hoje obsoleta, era a "Água de Alibour", uma solução canforada de sulfatos de zinco e cobre (II), então usada no combate de micoses da pele. As impingens, por vezes, ficavam sob a responsabilidade do portador. Aprendi que elas podiam ser exterminadas com tinta de caneta, contanto que eu fosse perseverante com as escarificações.
No início da década de 1960, com o surgimento da Aliança para o Progresso, um programa de ajuda do governo dos EUA para conter o avanço do comunismo na América Latina (dado início com a Revolução Cubana em 1959), toneladas de leite em pó foram doadas ao Brasil.
Umas caixas dessa doação deram entrada no lar dos Gurgel Carlos, onde fomos compelidos a beber daquele desagradável leite. Felizmente, mamãe tornou-o algo palatável ao transformá-lo em doce.
O leite do FISI não perdia em desagrado para umas cápsulas de conteúdo oleoso que tínhamos também de engolir. Imagino que as cápsulas continham as vitaminas lipossolúveis que faltavam ao leite.
Em uso próprio, mamãe utilizava-se muito do Atroveran, um antiespasmódico à base da papaverina e que ainda hoje frequenta as prateleiras das farmácias. E de extratos hepáticos, a que se atribuíam múltiplas propriedades terapêuticas.
Mas, saibam vocês, qual era a opinião do Dr. Paula Pessoa. O eminente gastroenterologista restringia a prescrição do extrato hepático ao tratamento das diarreias do diabético. Em contraste com o uso "off label" do extrato por parte de mamãe.
P.S.
Fez-me falta a consultoria de Elsie Studart, autora de "No tempo da Panvermina", para que eu pudesse me alongar nestas recordações.