FUMAÇA NOS OLHOS

Marcava o início e o término das sessões do Cine Familiar, em Otávio Bonfim, a versão instrumental de "Smoke gets on your eyes", um fox standard da canção popular norte-americana. Acho que a única vez em que tal não aconteceu, foi quando Frei Hildebrando Kruthaup (foto) requisitou o cinema para dar uma demonstração para o bairro, mas não para o mundo, de suas finas habilidades na técnica da hipnose.
Inicialmente, Hildebrando comandou uma preliminar de hipnose coletiva. Não era ainda o filme principal do Guardião do Convento. Naquele momento, o hipnotizador cuidava de fazer a triagem que selecionava as pessoas mais sugestionáveis para a demonstração que viria.
Bem, nada que pudesse ajudá-lo aconteceu comigo.
Vi subirem ao palco algumas pessoas, em cujas mãos Hildebrando espetou longas agulhas sem que essas pessoas referissem qualquer dor. 
Um brouhaha percorreu o recinto.
Naquela noite, aprendi que a hipnose, ao contrário do que o menino suspeitava, não devia constar do Index Librorum Prohibitorum. E pude sem remorsos, uns dez anos depois na Guanabara, frequentar um curso e comprar um robusto livro sobre hipnose médica e odontológica. 
Nas noites em que não ocorria desvio de função, o cinema mantinha a programação normal. Aventuras do Tarzan, comédias protagonizadas por Zé Trindade, "Marcelino Pão e Vinho" e , na Sexta-feira Santa, a "Paixão de Cristo" passando de hora em hora.
Filmes que atentassem contra os princípios da tradicional família cristã não tinham vez no Familiar. Apenas os que respeitassem a moral e os bons costumes e, assim mesmo, depois de subtraídos das cenas picantes pela tesoura de quem o projetava, o Vavá. Além disso, caso o bom Vavá se mostrasse tolerante nos cortes, ainda podia entrar em ação a censura presencial de algum franciscano frade. Com este pondo a mão à frente do projetor pelo tempo que fosse necessário.
Mas um dia...
Que dia, meus leitores! A censura do Cine Familiar deixou passar um filme que o menino quase não acreditou. Com Cleópatra sendo entregue nua ao imperador romano embrulhada num tapete (o Sedex da época). Mas acho que isso só aconteceu por que era na cena final.
O bonequinho viu e aplaudiu. 
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Algumas palavras sobre a canção temática do Familiar a que nos reportamos no início desta crônica:
"Smoke gets on your eyes", assinada por Jerome Kern e Otto Harbach. No Brasil, a letra recebeu uma versão de Nazareno de Brito, cantada por Tito Madi  e que foi lançada pela "Continental" em junho de 1959.Há ainda outras letras brazucas de "Fumaça nos olhos", assinadas por Nélson Motta e Jayro Aguiar.

http://youtu.be/GPrhgp7LSDg

Um comentário:

Paulo Gurgel disse...

Caro irmão Paulo,
Boa madrugada!
Você me trouxe boas lembranças do Cine Familiar em sua postagem de hoje.
Penso ter alguns reparos a fazer:
1) Júlio César ainda não era imperador romano.
2) A cena da Cleópatra no tapete não era no final da película, mas antes de um intermezzo, pois havia um intervalo no filme estrelado por Elisabeth Taylor e Richard Burton
3) O Vavá não tinha autonomia para os cortes das cenas; talvez agisse sob a supervisão franciscana.
Abraços.
Marcelo, por e-mail.
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Caro Marcelo,
Vou tentar explicar:
1) Gaius Julius Caesar governou a República Romana como ditador de 49 a.C. até seu assassinato em 44 a.C. Seu cognome (terceiro nome de um cidadão da antiga Roma) foi posteriormente adotado como sinônimo de "Imperador" e o título "César" passou a ser usado em todo o Império Romano, dando origem a cognatos modernos como "Kaiser" e "Czar".
2) Em 1963, o filme "Cleópatra", do diretor Joseph L. Mankiewicz, tornara-se o filme mais longo da história, com mais de 4 horas de duração (embora tenham sido cortados 20 minutos para o seu lançamento comercial). Então, você deve ter razão quanto ao momento da película em que Cleópatra se enfiou (ou se enviou, sei lá) naquele tapete.
3) Agora, se um diretorzinho qualquer de Hollywood meteu a tesoura em seu filme por um motivo meramente comercial, por que o nosso bom Vavá, no distante Otávio Bonfim, não censurou a cena de luxúria? É saber atender aos apelos do bonequinho, o lado certo da história.
Abraços.
Paulo