RECEBENDO A CARGA

O fato aconteceu no Hospital de Guarnição de Tabatinga (HGuT), na sede do município de Benjamin Constant, Estado do Amazonas  No hospital em que, inicialmente, funcionou a Unidade Mista de Benjamin Constante, da FSESP, o qual, por estar situada em área estratégica de fronteira, em 1970, o governo federal decidiu passá-lo à administração militar.
O ano era 1974, e para lá eu fora transferido, deixando para trás o Hospital Central do Exército, no Rio de Janeiro.
À época, o meu posto era o de primeiro tenente médico. Mas, ao chegar ao HGuT, por ser o oficial médico mais antigo da unidade, tive então de assumir a direção do hospital, recebendo-a de um colega gaúcho, o cirurgião Antonio Bonilha.
Na condição de novo diretor, coube-me também a obrigação de receber a carga do hospital. Para quem não conhece o jargão da caserna, o termo carga equivale ao tombamento dos bens de uma instituição civil.
Com essa obrigação, por vários dias, eu cumpri uma verdadeira maratona, acompanhando o ex-diretor nas tarefas da passagem de carga. Significando isso: conferir a existência e o estado do material hospitalar em conformidade com as fichas de registro.
Nunca, eu imaginara que aprenderia, num único lapso de tempo, tanta nomenclatura medico-hospitalar. Tantos nomes de objetos que eu até então ignorava, principalmente quando percorri o Centro Cirúrgico e o Gabinete Odontológico. Para mim, por exemplo, mocho seria o quê? Uma coruja. Mas, na carga do hospital, era aquele banco redondo e giratório, sem encosto, no qual o dentista se senta.
No HGuT, o bem de maior valor era um equipamento de RX fixo, considerado como sendo de última geração. Mas não fazia parte da carga que eu estava a receber, justamente por não ter sido comprado pelo Exército (tinha sido uma doação do FUNRURAL).
No entanto, faziam parte da carga oficial do nosocômio inúmeros pequenos objetos, como um crucifixo "da marca INRI”.
Nessa altura do trabalho, eu já me dera conta de que a coisa toda fora longe demais. Mas a gota d’água, que fez transbordar minha paciência, foi quando o cirurgião Bonilha me apresentou um certo... "espeto para fixar papéis". Nada mais, nada menos do que um pedacinho de arame enferrujado.
"Essa, não!" - pensei em voz alta. E, de imediato, relacionei para a descarga o inservível objeto. O que tanto podia ser excluí-lo da carga quanto descarregá-lo no sistema hidrossanitário do hospital.

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