De pronto, como um assustado neófito em paternidade, peguei um carro de aluguer e fui a Jacarecanga buscar a experiente parteira, D. Maria Juca, para acudir a minha jovem e graciosa esposa; após examinar a parturiente, sentenciou que o trabalho de parto fora iniciado, com a ruptura da bolsa das águas, mas seria demorado por ser nulípara, e que, a partir de então, deveria ser suspensa qualquer alimentação até o nascimento do menino. Em seguida, pediu-me para levá-la de volta à casa para arrumar seus apetrechos, com o fito de dar conta da longa vigília que teria a enfrentar.
Dona Maria Juca retornou um pouco antes do almoço, supostamente para enfrentar uma longa batalha, do seu ofício de ajudar a pôr no mundo mais uma criatura de Deus. Elda, na flor da idade, aos dezessete anos, demonstrou firmeza e suportou as contrações da mãe do corpo, com a bravura de uma mulher feita e calejada na arte de parir. Há um mês estamos na casa de minha dileta sogra, que gentilmente nos cedeu um quarto, para que a sua filha ficasse mais tranquila, para o momento de ser partejada. Ao anoitecer, à hora do ângelus, enquanto os sinos de nossa igreja repicavam anunciando a bênção das 18h, na residência da Rua Domingos Olímpio, 2.209, o choro forte do recém-nato ecoava na vizinhança, para publicizar a estreia de meu herdeiro de sangue.
O meu contentamento foi alargado quando a parteira notificou-me que era um belo garoto, o que preenchia a nossa predileção por começar uma prole com um menino, que, antecipadamente, Elda e eu, concordamos em denominá-lo de Paulo, prestando, desse modo, uma justa homenagem ao seu avô materno, que precocemente nos deixou, regressando ao Pai.
Somente depois do parto, ao cabo de um dia de jejum, Elda tomou um chá com torradas e na sequência, acariciou a nossa criaturinha, a quem ofereceu os seios, para nutri-lo com o manjar lácteo e o colo, para garantir a proteção e o aconchego maternos ao produto de nosso extremo amor; depois disso, agora extenuada, dorme calmamente, entregue inteiramente aos braços de Morfeu, enquanto a mim, cabe velar por seu sono e vigiar nosso filho, nessas suas primeiras horas de vida.
Já era quase dez horas da noite quando peguei uma caneta e papel de carta, para rabiscar algo, que relate esse momento singular de minha existência. Fito o meu frágil rebento, de pouco mais de 3kg, e percebo a delicadeza de seus traços, com finos cabelos loiros e olhos claros, compondo uma beleza tipicamente angelical. Por volta da meia-noite, ele acordou, como que clamando por ajuda, então notei que estava com o cueiro molhado, que foi logo por mim substituído e talvez estivesse com frio, pois, ao tomá-lo nos braços, o calor de meu corpo o aqueceu e ele, bem aninhado, aquietou-se e voltou a dormir, sem que sua mãe fosse acionada, parecendo até que ele desejava poupá-la, respeitando o desgaste físico por Elda sofrido, com a sua vinda.
Era 3h13, quando Elda naturalmente despertou e desejou amamentar nosso filho, não o fazendo porque ponderei que ele dormia silente e não deveria estar com fome ainda, sendo melhor que esperasse mais um pouco, para o momento em que o nosso lactente reclamasse, o que de fato aconteceu às 4h, e desta vez o choro indicava a exigência da alimentação, de imediato sanada com o providencial leite materno.
Nessas horas de vigília, muitas recordações sobrevêm, como se fossem uma recapitulação dos anos vividos, desde quando deixei a minha terra natal, a cidade redentora por seu pioneirismo na abolição dos escravos do Brasil, recordando os bons e saudosos tempos de aluno marista, o curso de perito-contador, o curso pré-jurídico e, finalmente, a minha formatura em Direito; porém, a mais intensa dessas lembranças se fixa no amor que o bom Deus privilegiou-me, brindando-me ao trazer Elda para os meus braços e de cuja união, concedeu-me um sucessor, uma prova inconteste de nossa mútua afeição.
Uma inquietação, todavia, me perturba: a feliz coincidência de inaugurar a paternidade no dia dedicado ao venerável Marcelino Champagnat, fundador da Ordem dos Irmãos Maristas, os principais responsáveis pela minha educação formal, e que igualmente plasmaram as minhas convicções católicas; talvez fosse esse um sinal de que deveria batizar o meu primogênito de Marcelino. Reflito e reconsidero que o nome Paulo, alusivo ao grande propagador do cristianismo, perpetuaria, entre os descendentes de Paulo Coelho, a memória de um exemplar pai de família, cujo passamento prematuro podara os sonhos de tantos filhos; quem sabe, se com o meu próximo filho, se menino for, terei a possibilidade de homenagear o grande educador e propulsor do marianismo no mundo ocidental.
Olho detidamente a jóia que Deus nos mandou e antevejo para ele um futuro promissor. A ela, darei o melhor de mim; receberá uma educação marista e será criado em um lar cristão, recebendo as atenções de primeiro neto de José e Valdevina Carlos da Silva e de minha sogra Almerinda Gurgel Coelho, ora marcada pelo sofrimento da viuvez; com tudo isso, será um vencedor, não importando a profissão que ele venha a escolher.
Agora são seis horas... os raios do sol alumiam as copas das frondosas árvores do quintal da casa de D. Almerinda... os passarinhos nos encantam com os seus cantos... um novo e venturoso dia desabrocha e uma criança recém-chegada felicita um novo casal. Elda está bem; acha que já está plenamente recuperada do cansaço de ontem e se vê ansiosa para cuidar de seu precioso bebê.
Que Deus te proteja, doce Paulinho!
Beijos afetuosos do teu pai.
Luiz Carlos da Silva
por Marcelo Gurgel Carlos da Silva
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