MEU THESOURO DA JUVENTUDE

Acredito que o "Thesouro da Juventude" tenha sido a obra que eu mais li no verdor dos meus anos. Nas décadas de 1950 e 1960, os dezoito volumes desta "encyclopédia", com capas em azul marinho e vistosas letras douradas, ocupavam um lugar de destaque na biblioteca dos Gurgel-Carlos.
Eram da edição de 1925, possivelmente. Com o título de "Thesouro da Juventude", assim mesmo com "Th", e com palavras impressas de acordo com as regras que existiam antes do Formulário Ortográfico de 1943. Com ênclises, em que o "l" ficava separado do pronome (como em "amal-o", por exemplo), e também com vocábulos em profusão grafados com "ph", "ch", "ff" e "ll", como em "pharmacia", "machina", "offerecer" e "bello".
Pelas tantas, eu me surpreendia com o aparecimento durante a leitura de um requintado "Piauhy". Mas grafias antigas, ainda que deste jaez, confirmo que não chegavam a atrapalhar a compreensão dos textos.
Na folha de rosto da obra, havia um erro crasso: "entretimento", no lugar de "entretenimento". Não sei se este deslize foi reparado na edição de 1958. Por muito menos, o protagonista do conto "Colocador de Pronomes", de Monteiro Lobato, foi levado ao suicídio.
Na "Introducção", Clóvis Bevilacqua indicava a obra para "meninos, adolescentes e homens do povo que teem sede de saber". E os editores definiam-no como uma enciclopédia popular, "um livro acerca de tudo para todos e especialmente para os jovens".
A obra era constituída das seguintes seções:
A Terra - A Nossa Vida - Animais e Plantas - O Novo Mundo - O Velho Mundo - As Belas Ações - Homens e Mulheres Célebres - Os Livros Famosos - Belas Artes - Lições Atraentes - Coisas que Podemos Fazer - Coisas que Devemos Saber - Os Porquês
Ao focar na poesia, o jornalista Luís Nassif destacou nessa obra "O Gigante Adamastor" (um trecho dos "Lusíadas"), a "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias, e "Manhã em Petrópolis", de um certo José Maria Amaral, que, "se não é dos maiores poetas brasileiros, ocupa um lugar muito honroso em nossa história literária. Acho que houve alguma proteção em sua inclusão".
Onde estaria a tal coleção?
Não sei dizer, mas onde ela estiver certamente estará com uma página a menos. Explico. Um dia, eu precisei recitar um poema a meu livre arbítrio no colégio. Então, abri o "Thesouro", na seção de poesia da coleção, em busca de um poema que eu já havia lido até com muito gosto. E avaliei que poderia memorizá-lo em pouco tempo, entre o café da manhã e a saída para o colégio. O que não foi possível fazer, e a solução que encontrei foi arrancar a folha do livro onde o poema estava.
(Pensei em ter ouvido um "Et tu, Brute?")
No colégio, subi ao palco com a "destacada" folha na mão e caprichei na leitura (aplausos).
Ganhei uma boa nota em Português e, por algum tempo, a companhia de um remorso que dizia coisas em latim.
Comentário
Caro irmão Paulo!
Com efeito, a coleção "Thesouro da Juventude", da biblioteca particular de nosso pai, era avidamente lida e relida pelos filhos de Luiz e Elda. Esse nosso tesouro de leituras foi incialmente desfalcado do volume I por uma pessoa que, com a anuência materna, tomou emprestado o volume I, mas nunca o devolveu.
Nossos pais, na vigência da longa união conjugal, não amealharam um bom patrimônio material que pudesse suscitar alguma possível disputa de herança em seus descendentes. A exceção ficava por conta das boas coleções albergadas na biblioteca paterna que eram alvo de uma certa cobiça; a irmã Marcia se adiantava em anunciar a sua preferência pelo "Thesouro da Juventude".
Tal desejo, entretanto, não foi concretizado, porquanto a nossa matriarca, em um suposto gesto de gentileza, quis compensar um pequeno agricultor, cliente de nosso pai, que nos ofertara uma saca de cajus, doando ao campônio os 17 volumes restantes da apreciada coleção.
A doação materna foi um choque para nós, os filhos, notadamente para a Márcia, porquanto se guardara a desconfiança do fim que fora reservado a uma obra literária que fora tão útil à nossa formação.
Marcelo Gurgel

Um comentário:

Marcelo Gurgel disse...

Caro irmão Paulo!
Com efeito, a coleção "Thesouro da Juventude", da biblioteca particular de nosso pai, era avidamente lida e relida pelos filhos de Luiz e Elda. Esse nosso tesouro de leituras foi incialmente desfalcado do volume I por uma pessoa que, com a anuência materna, tomou emprestado o volume I, mas nunca o devolveu.
Nossos pais, na vigência da longa união conjugal, não amealharam um bom patrimônio material que pudesse suscitar alguma possível disputa de herança em seus descendentes. A exceção ficava por conta das boas coleções albergadas na biblioteca paterna que eram alvo de uma certa cobiça; a irmã Marcia se adiantava em anunciar a sua preferência pelo "Thesouro da Juventude".
Tal desejo, entretanto, não foi concretizado, porquanto a nossa matriarca, em um suposto gesto de gentileza, quis compensar um pequeno agricultor, cliente de nosso pai, que nos ofertara uma saca de cajus, doando ao campônio os 17 volumes restantes da apreciada coleção.
A doação materna foi um choque para nós, os filhos, notadamente para a Márcia, porquanto se guardara a desconfiança do fim que fora reservado a uma obra literária que fora tão útil à nossa formação.
Marcelo Gurgel