O CANTAR ALEGRE DE UM VIVEIRO

Na década de 1970 e anos anteriores, grupos de seresteiros notivagueavam por nossa cidade, detendo-se aqui e ali para cantar sob os balcões de suas amadas.
Fortaleza era uma Conservatória.
Eu fazia parte de um desses grupos com sede em Otávio Bonfim. Contando com o emérito violonista Claudio Costa para acompanhar, revezava-me nos vocais com outros companheiros da boêmia suburbana. Até hoje não me esqueço da homérica desafinação que eu dei ao cantar "Eu não existo sem você", de Tom e Vinicius. Para agravar a situação, isso foi acontecer numa serenata dedicada a uma certa senhorita Godiva, irmã da professora de piano Mércia Pinto.
Uma serenata tinha lá seus preparativos. Começava pelo encontro dos integrantes do "belo canto" em algum bar ou restaurante da região (Pombo Cheio, Real Drinks, Avenida...), onde se decidia: 1) o que cantar e 2) quais seriam as donzelas prestigiadas pelo evento. Esvaziadas algumas cervejas, o time saía com alguém levando a cola dos nomes das canções escolhidas no verso de um maço de cigarros.
Certa vez, fizemos uma serenata numa casa que ficava na Parquelândia. O grupo era formado na ocasião por Claudio Costa, Francisco Dário, Fernando Antônio e outros, além deste escriba.
O Fernando Antônio tinha sido meu colega de turma na Faculdade de Medicina. Integrou-se ao grupo naquela noite por um mero acaso, e acho que foi ele quem nos levou até aquela casa na Parquelândia.
Aberto o portão da residência, atravessamos o jardim e acomodamo-nos em sua varanda. Com as lâmpadas apagadas, a pouca iluminação da varanda limitava-se ao luar. Notei que havia por lá uma grande gaiola com pássaros.
Deu-se início à serenata.
Ao bater (não intencionalmente) com meu cotovelo na gaiola, o choque provocou uma barulhenta revoada dos pássaros em seu interior. Vi que podia fazer isso mais vezes, sem que os demais participantes da seresta desconfiassem de que alguém estava a provocar a balbúrdia. Assim, ao ouvir-se uma nota mais forte, ou um acorde mais vibrante, lá eu dava uma sorrateira cotovelada na gaiola.
Nisso, alguém começou a cantar o "Chão de Estrelas", de Sílvio Caldas e Orestes Barbosa:
"Meu barracão no morro do Salgueiro
Tinha o cantar alegre de um viveiro."
Foi nesse ponto ("captei a vossa mensagem, amado mestre") que eu apliquei "a mãe de todas as cotoveladas". Daí eclodiu um barulho tamanho naquele viveiro, que fez com que o nosso grupo saísse às carreiras e desse por encerrada a serenata.

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