O PÃO

Olha o padeiro entregando o pão
De casa em casa entregando o pão
Menos naquela, aquela, aquela, aquela não
Pois quem se arrisca a cair no alçapão? [bis]
Ednardo, Artigo 26
Em meus tempos de menino, comia-se em Fortaleza (berço da Padaria Espiritual) os seguintes tipos de pão: sovado, doce, de forma e pão d'água. E o pão de coco que só aparecia no período da Semana Santa.
De manhã cedo, era meu dever filial ir à padaria do Seu João Gurgel, em Otávio Bonfim, comprar o pão que seria logo mais consumido na casa dos Gurgel Carlos. Invariavelmente, pães d'água. Retirados de um grande cesto de vime, eram vendidos por unidade naquela  padaria.
Na volta para casa, se a fome fosse grande, eu arrancava o bico de alguma bisnaga (ainda quentinha) para comer.
Os chamados pães carioquinhas surgiriam tempos depois. A meu ver, não passavam de pães d'água reduzidos a pãezinhos de 50 gramas. No entanto, como eram vendidos por quilo, depois disso certas desavenças entre padeiros e consumidores se dissiparam.
O nome pão carioquinha é fortemente arraigado no Ceará. Em outras plagas pode ter diferentes designações. A propósito, veja como esse pãozinho é chamado em várias regiões do Brasil.
É o mapa do pão francês no Brasil segundo o Twitter. Finalmente, temos um estudo sério no país.
https://twitter.com/i/moments/1092436001098743809
O artigo 26
... da "Declaração Universal dos Direitos Humanos", dispõe que: "Todo ser humano tem direito à instrução."
... dos "Estatutos da Padaria Espiritual", dispõe que: "São considerados, desde já, inimigos naturais dos Padeiros, o Clero, os alfaiates e a polícia. Nenhum Padeiro deve perder ocasião de patentear seu desagrado a essa gente."
A Padaria Espiritual, um movimento cultural surgido na capital cearense no final de século XIX, marcado pela ironia, irreverência e senso crítico, além do sincretismo literário tinha o seu jornal, "O Pão", que era entregue de casa em casa pelos próprios "padeiros" – jovens escritores, pintores e músicos, reunidos num levante cultural contra a burguesia, o clero e tudo mais.
O compositor Ednardo, inspirado nos Estatuto da Padaria Espiritual, criou a canção "Artigo 26" ("Olha o padeiro entregando o pão / De casa em casa entregando o pão").
Como a atrevida aventura (da distribuição do jornal) contava com alguns poucos desafetos – sobretudo aqueles para quem a instrução do povo sempre foi algo assustador –, conforme relata Eliton Menezes, havia o receio de se entregar o "Pão" naquela casa e ser alvo de indecorosos desaforos... ("Menos naquela, aquela, aquela, aquela não / Pois quem se arrisca a cair no alçapão?")
https://chicoeliton.blogspot.com/2013/08/artigo-26.html
http://www.jornaldepoesia.jor.br/espi.html

AS HEROÍNAS DE TEJUCOPAPO

Tejucopapo é um distrito do município de Goiana-PE, localizado a 60 km de Recife.
Em 1646, o distrito possuía apenas uma rua larga, quase uma praça, ladeada por casas simples, destacando-se ao final dela a Igreja de São Lourenço de Tejucupapo, de arquitetura jesuítica, como acontecia com as igrejas erguidas no início da colonização.
Naquele ano, os holandeses já haviam praticamente perdido o domínio, que durante algum tempo mantiveram sobre quase todo o território pernambucano e, como se encontravam cercados e necessitando desesperadamente de alimentos, cerca de 600 deles, saídos por mar do forte Orange, na ilha de Itamaracá, tentaram ocupar Tejucupapo, onde esperavam encontrar a farinha de mandioca e o caju que as circunstâncias do momento haviam transformado em produtos pelos quais valiam a pena arriscar-se em combate. Segundo os historiadores, eles escolheram justamente o domingo para realizar a investida porque era, nesse dia da semana, que os homens do vilarejo costumavam ir a Recife, a cavalo, para vender nas feiras da capital os produtos da pesca. Sendo assim, a localidade estaria menos protegida, acreditavam os holandeses.
Todavia, os holandeses frustraram-se em sua intenção porque, segundo alguns relatos, a informação de que se aproximavam iniciou a reação da pequena e valente população local que, tendo à frente quatro mulheres - Maria Camarão, Maria Quitéria, Maria Clara e Joaquina -, lutou bravamente contra os invasores, enquanto os poucos homens que haviam permanecido na localidade ocupavam-se em emboscar os assaltantes, atacando-os à bala e com paus, chuços (aguilhões) e roçadeiras. Os registros informam que elas ferveram água em tachos e panelas de barro, acrescentaram pimenta, e escondidas nas trincheiras que haviam cavado, atacavam os holandeses com a mistura jamais esperada por eles. Seus olhos eram os principais alvos, e a surpresa o melhor ataque. A batalha durou horas mas, naquele 24 de abril de 1646, as mulheres guerreiras do Tejucupapo saíram vitoriosas. (1)
Memorial em homenagem às Heroínas de Tejucupapo (3)
Sobre esse acontecimento histórico foram feitos os filmes "Tejucupapo" e "Epopeia da Heroínas de Tejucupapo". Mais recentemente (2019), os cineastas Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles filmaram "Bacurau" em que a batalha de Tejucopapo parece ter sido uma das fontes inspiradoras.
"As mulheres de Bacurau miram-se no exemplo das heroínas de Tejucopapo, as destemidas que expulsaram, a pau e pedra, os holandeses que pretendiam saquear o vilarejo a 60 km do Recife, em 1646. Aí vemos Carmelita (Lia de Itamaracá), a matriarca que representa a utopia da água e da fartura da nação semiárida; Domingas (Sônia Braga), com sua blasfêmia alcoolizada e a valentia do cuidado rotineiro com o povo; a Teresa (Bárbara Colen) que retorna mais forte ainda... Sem falar na Deisy (Ingrid Trigueiro), que dá um tiro de escopeta ao melhor estilo Chigurh (Javier Barden) no faroeste americano Onde os fracos não têm vez (2007)." - Xico Sá (4)
(1) Wiki/Batalha de Tejucupapo
(2) Uol/A Batalha de Tejucopapo
(3) mapio.net/pic/p-62737675 (imagem)
(4) Esta terra vai tornar-se uma imensa Bacurau, EL PAÍS Brasil
PS. As duas grafias (Tejucopapo e Tejucupapo) aparecem indistintamente nas várias fontes consultadas.

BENJAMIN CONSTANT, TABATINGA E LETÍCIA

Benjamin Constant é um município da região do Alto Solimões, no Estado do Amazonas.
A sede deste município localiza-se na margem direita do rio Javari, que demarca a fronteira do Brasil com o Peru. Já Tabatinga, que foi distrito de Benjamin Constant, situa-se na margem esquerda do rio Solimões e faz fronteira com a colombiana cidade de Letícia. Benjamin Constant e Tabatinga, portanto, estão inseridas em uma região de tríplice fronteira.
Na década de 1970, na sede do município ficavam a Prefeitura, o Campus Avançado da PUCRS, o Hospital de Guarnição de Tabatinga (que tinha sido a Unidade Mista da FSESP), algum comércio. Nenhum veículo de quatro rodas trafegava por suas ruas. Apenas motocicletas se aventuravam a circular por Benjamin Constant em períodos de pouca lama. Assim que retornei a Manaus aproveitei para comprar uma Honda xucra que me daria algumas quedas.
O Hospital de Guarnição possuía duas lanchas que eram dirigidas pelo lacônico Chico Preto.
Nestas lanchas, descíamos o rio Javari, percorríamos um caudaloso paraná (canal que comunica dois rios) e subíamos o Solimões até o distrito de Tabatinga. À noite, essas viagens eram impensáveis. Na escuridão da selva  havia o risco de o barco colidir com os troncos e galhos arrastados pela correnteza dos rios.
Lembro-me que, após a confluência do paraná com o Solimões, avistávamos um assentamento de casas sobre palafitas. Estava em território do Peru, e eu achava que ali era a Islândia peruana.
No então distrito de Tabatinga, ficavam o aeroporto, a agência do Banco do Brasil e o Comando de Fronteira do Solimões / 1.º Batalhão Especial de Fronteira. Havia asfalto em suas ruas e podia-se atravessar livremente a fronteira para ir à cidade de Letícia, capital do colombiano Departamento del Amazonas.
Constavam do organograma do Batalhão três companhias, sendo duas de fuzileiros e uma especial de fronteira. Desta última companhia, faziam parte quatro pelotões especiais de fronteira, assim distribuídos: Palmeiras e Estirão do Equador, às margens do Javari, Ipiranga às margens do Içá (Putumayo) e Vila Bittencourt às margens do Japurá.
Comando e Hospital de Guarnição se comunicavam por um sistema de fonia. Como diretor do hospital, certa vez fui convocado para uma reunião com o comandante TC Inf José Ferreira (foto). Ele haviaa construído umas enfermarias em Tabatinga e necessitava de dois médicos R2 para realizar o atendimento da colônia militar. No Hospital de Guarnição éramos dez médicos e, com pouco entusiasmo ao tomar a decisão (que faria a escala de plantões no hospital ficar mais apertada), indiquei dois nomes. Ainda bem que os colegas designados gostaram da ideia da movimentação.
O Comando, além de suas diversas instalações, administrava o Hotel de Trânsito de Oficiais onde raro me hospedei. Para meus fins de semana em Letícia, quase sempre eu optava pelo Hotel Anaconda, a fim de me sentir emambiente colombiano... Lendo a revista Cromos, tomando umas cervejas Costeña (la mejor de todas, pero de todas todas) ou bebericando uma piña colada, coquetel feito de rum e suco de abacaxi. No terraço do Anaconda tinha-se uma vista privilegiada do Solimões, o que me inspirou a escrever o conto O VENDEDOR DE ESTRELAS. À noite, procurava baixar num point animado onde pudesse jantar e ouvir cumbias.
Devo dizer que esse programa por vezes era cancelado em razões de tensões na fronteira. Dizia-se que elas tinham a ver com o tsar Mike Tsaliskis, o manda-chuva da cidade e também proprietário do Hotel Anaconda.
E o que mudou?
O Hospital de Guarnição de Tabatinga é hoje o Hospital Geral de Benjamin Constant Dr. Melvino de Jesus.
A estrada que ligaria Benjamin Constant à vizinha Atalaia do Norte está intransitável e aguarda a reconstrução.
Tabatinga foi desmembrada de Benjamin Constant, conta com quase o dobro da população do município-mãe e seu aeroporto é internacional.
O 1.º BEF atende pelo nome de 8.º BIS e as enfermarias do cearense TC Ferreira transformaram-se no atual Hospital de Guarnição de Tabatinga .
A "Islândia" não é a Islândia.
Em 1912, conforme relatou Los Mundos de Hachero, o tsar Mike Tsaliskis estava vivo e ainda fazia das suas.
Webgrafia
Breve história de dois hospitais, Linha do Tempo
www.8bis.eb.mil.br/sua-historia
Conheça seu Exército: CFSOL/8.ºBIS
Wikipédia/BC
Wikipédia/ Tab
Viaje a Colômbia: En la isla de los micos del narcotraficante Mike Tsaliskis, Los mundos de hachero
Rio Javari: O rio martirizante na bacia amazônica (e-book)

PROF. FROTA PINTO (2)

Breves informações sobre a vida profissional do Prof. Frota Pinto
Gerardo Frota Pinto nasceu em Fortaleza, no dia 5 de outubro de 1916. Graduou-se aos 21 anos, na Faculdade de Medicina da Bahia, no ano de 1937. De volta a Fortaleza, iniciou a vida profissional lecionando no Liceu do Ceará e trabalhou no 6º Regimento de Aviação do Exército, hoje Base Aérea de Fortaleza, realizando exames médicos para seleção de oficiais destacados para lutar na II Guerra Mundial. Especializou-se em Psiquiatria no Rio de Janeiro, no início da década de 1940, no curso de pós-graduação do Ministério da Saúde, equivalente hoje ao grau de mestrado/doutorado. Assumiu a Cátedra de Psiquiatria no Ceará e ingressou no Ministério da Saúde, onde exerceu a Chefia do Serviço de Saúde Mental do Ceará até a aposentadoria, após 35 anos de serviço.
Fundou, com um grupo de médicos, o Instituto de Ensino Médico do Ceará, que foi absorvido pela Universidade Federal do Ceará (UFC) como Faculdade de Medicina do Ceará. Foi professor catedrático de Psiquiatria, hoje professor titular, por mais de 30 anos. Dirigiu o Hospital de Saúde Mental da Parangaba e foi membro do Conselho Penitenciário do Ceará por cerca de 25 anos. Fundou juntamente com um grupo de médicos a Academia Cearense de Medicina. Tem mais de uma centena de trabalhos científicos publicados em revistas médicas, anais de congressos e da Academia Cearense de Medicina. Publicou na década de 1950 o livro “Perícias Neuropsiquiátricas nos Estados Fronteiriços” e, em 1983, "Psiquiatria Básica", pela Editora Centro Médico Cearense, que lhe valeu à época, o título nacional de "Psiquiatra do Ano". Foi vice-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria e publicou, em 2010, pelas Edições UFC, "As Quatro Heranças do Homem – Tentativa de Interpretação do Animal Homem". Faleceu em Fortaleza, aos 94 anos, em 14 de agosto de 2011.
Fonte: www.saude.ce.gov.br/
Homenagens ao mestre no Ceará

• Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM de Messejana)
• Centro de Atenção Psicossocial Professor Frota Pinto (em Rodolfo Teófilo, na SER III de Fortaleza)
• Rua Prof. Frota Pinto (no bairro Luciano Cavalcante, em Fortaleza)
• Medalhão em bronze (no HSM)

CARROS BRECHEIROS

No sítio Costa do Sol, no Eusébio, onde estive no dia 17 para participar da "Fazendinha do Luigi" (um aniversário de criança), aproveitei para rever o G7 Garage, de propriedade do empresário Gaudêncio Lucena, avô do aniversariante.
No interior do G7 Garage, um visitante (que eu não conhecia) fez um comentário, enquanto apontava para um dos carros do museu:
"Olha ali... Um carro brecheiro!"
O tal "carro brecheiro" era um DKW (Das Kleine Wunder, em português "a pequena maravilha"), do ano de 1962.
Depois que ele me explicou a razão do estranho apelido, fiquei atento. E, como a demonstrar que eu havia assimilado aquela lição de museologia automotiva, percorri o museu em busca de outro "carro brecheiro". Havia-o: um Mercedes-Benz 1951.
Bem, você deve estar curioso para saber o que são "carros brecheiros", não é?
Então, vamos reconstruir por etapas a origem dessa expressão marota:
1 - brecheiro
No "Dicionário do Ceará: palavras típicas, expressões pitorescas e como usá-las", do escritor, desenhista e pesquisador da molecagem cearense Tarcísio Garcia, encontra-se esta definição:
Brecheiro - Sujeito dado à prática de brechar. Há dois tipos de brecheiro: o que se coloca estrategicamente à frente da mulher na esperança de ver uma calcinha ou um bico do peito e o mais reservado, que prefere ficar espiando por frestas de portas e buracos de fechaduras e que também é conhecido como voyeur.
2 - carros brecheiros
Os carros cujas portas dianteiras são abertas ao contrário, isto é, da frente para trás. Uma funcionalidade que servia tão somente para atiçar a concupiscência da rapaziada. Naqueles momentos em que uma mulher menos cautelosa estava a desembarcar de um carro desses.
Ô raça!
Na verdade, tais carros não eram brecheiros. Apenas estavam sendo amigáveis com os brecheiros propriamente ditos.
DKW 1962