REAL DRINKS

A turma de Otávio Bonfim reunia-se, nas noites da sexta-feira ou do sábado, em torno do violão do Claudio Castro. Começávamos o encontro no Pombo Cheio, [1] que ficava no Parque Araxá, e depois seguíamos para o Real Drinks, no Monte Castelo.
Otávio Bonfim, como já comentei anteriormente, só tinha bares no entorno: Parque Araxá, Monte Castelo, [2] São Gerardo... Era a gente ir a estes bairros vizinhos ou, de vez em quando, à Fortaleza Nobre.
Deixemos para lá o Pombo Cheio, o qual já foi devidamente proseado. Quanto ao Real Drinks (que nome, meu Deus), ficava este último bar nas proximidades do CPOR, o então Centro de Preparação de Oficiais da Reserva. Hoje, suas instalações abrigam um setor da Secretaria de Segurança Pública do Estado.
No Real Drinks, bebia-se a cerveja mais gelada da cidade (pelo menos, era o que muitos asseguravam). Fato certamente corroborado pela existência de uma fábrica de gelo nos fundos do restaurante. Apesar de desejável que a cerveja seja consumida a uma temperatura de 4 graus, nunca abaixo disso. [3] Aliás, 4 Graus é o nome de um bar no Cocó, bem perto de onde moro.
O Real Drinks era administrado pelo Zé Augusto, que tinha como fiel escudeiro o Manelzinho, um anão hipofisário. Tendo uma compleição física avantajada, Zé Augusto costumava ficar sem camisa atrás do balcão. Numa folha de cartolina, ele ia anotando os pedidos que vinham das mesas. Bolas de carne ao molho eram o tira-gosto mais requisitado.
Eu sei que ele era da família Ferreira porque, ao servir como médico militar na região do Alto Solimões, sob o comando do Coronel José Ferreira, soube deste conterrâneo que ele era irmão do Zé Augusto (ô mundo pequeno).
Seus frequentadores se distribuíam pelas mesas do salão principal e dos caramanchões do Real Drinks. Uns poucos preferiam ficar ao pé do balcão, puxando conversa com o proprietário. Assuntos é que não faltavam: as recentes fofocas do bairro, uma briga que derrubou parte do muro do Clube Internacional e a improvável história da estreia de Manelzinho no trapézio de um circo de subúrbio.
A frequência do bar era tipicamente masculina. Muitos homens casados tinham o passe livre para frequentar o estabelecimento. Suas esposas sabiam que não corriam risco algum enquanto eles estivessem por lá.
Foi no Real Drinks que, numa madrugada, eu me meti numa discussão homérica. Com o Prof. Neo, conhecido nome do ensino no Ceará, e seu violonista de estimação que tocava violão com cordas de aço. Ardoroso defensor do violão com cordas de nylon, (4) eu não aceitei ouvir o que me pareceu um menoscabo com o o encordoamento de minha preferência.
Fazendo-se outra leitura daquela discussão, foi também o confronto das qualidades do violão antigo (com suas baixarias) com as dissonâncias do violão moderno.
Os ânimos ficaram exaltados. Diz meu companheiro de noitada, o médico patologista Francisco Dario Rocha Filho, que receou o pior. Na dúvida de como eu reagiria depois de ter ouvido Vinicius de Moraes ser chamado de "viado", o que também aconteceu por lá. Felizmente, o médico anestesiologista e poeta José Telles, que estava por perto, entrou na roda com a nobre missão de acalmar os espíritos.
E fui embora sem dar minha aula-show sobre as inversões de terça, quinta e sétima. Acordes que eu aprendera por amor de tocar a "Viola Enluarada".
[1] https://gurgel-carlos.blogspot.com/2013/06/o-pombo-cheio.html
[2] https://www20.opovo.com.br/app/opovo/especiais/fortaleza287anos/2013/04/13
[3] La temperatura ideal para la mayoría de las cervezas está entre 4 y 10 °C. Cuando bajas la temperatura aún más, empiezas a cambiar el sabor.
[4] http://blogdopg.blogspot.com/2015/08/teclado-para-violao.html

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