ARROZ, FEIJÃO, BUGIGANGAS E SEXO

Carlos José Holanda Gurgel
O velho e abandonado, mas ainda belo centro da nossa capital está totalmente decadente. Não é nenhuma novidade e não temos como negar essa triste constatação. O problema não é somente de Fortaleza. É geral e aflige sem distinção as capitais e a maioria das grandes cidades brasileiras. As regiões centrais, com raríssimas exceções, tornaram-se ao longo das ultimas décadas em antros de marginais e de prostituição. Sem falar na violência, no tráfico e no assustador e crescente consumo de drogas. O comércio, antes rico e variado, tornou-se uma grande feira livre de produtos piratas, importados de baixa qualidade e até mesmo de mercadorias roubadas. Uma legião de camelôs e todo tipo de trabalhadores informais, com suas bancas e seus produtos espalhados nas calçadas, atrapalha o trânsito dos pedestres e infernizam a vida dos poucos comerciantes que ainda sobrevivem na legalidade. Além da concorrência desleal e ilegal deixam para trás montanhas de lixo espalhados nas ruas e calçadas. Mau cheiro, bueiros entupidos, barulho insuportável, furtos frequentes fazem o dia-a-dia dos que são obrigados a circular ou trabalhar no centro. Isso tudo durante o dia. Com a noite a situação piora ainda mais. A insegurança é total e os marginais tomam conta do local, juntos com mendigos, moradores de rua, prostitutas, travestis e todo tipo de excluídos sociais. Uma realidade chocante, de difícil e complexa solução ou mitigação e para a qual os poderes públicos muito pouco ou nada têm feito. A antiga e numerosa clientela assustada pela insegurança se refugiou nos amplos, confortáveis e seguros Shopping Centers. Estes, por sua vez e na grande maioria, instalados em bairros classe média-alta e distantes do velho centro. Em consequência a maioria das lojas fechou e vários prédios foram abandonados ou transformados em estacionamentos ilegais e improvisados. Andar pelas ruas do centro é deprimente. Fazer compras, somente em último caso e se não existir outra opção.
Aparentemente indiferente e em meio a esse quadro de decadência e de graves problemas sociais sobrevive uma forte atividade comercial. Falo do grande comércio de alimentos praticado pelos tradicionais atacadistas da Rua Governador Sampaio. Indiferentes, mas não tanto. Também sofrem com os problemas que atormentam toda região central. Mas permanecem firmes nos seus pontos comerciais por décadas. Vários deles já na terceira geração dos seus fundadores. Um comércio que se iniciou nos primeiros anos do século passado e se fortaleceu após a década de 40, com o fim da 2ª Guerra Mundial. Eram os conhecidos armazéns de secos e molhados e grande parte fundados por emigrantes árabes e sírio-libaneses e alguns portugueses. Os principais focos desse comércio eram os cereais e alimentos em geral, com destaque para o arroz, feijão, açúcar, farinha, alho, óleo e mantimentos diversos. A região da Governador Sampaio e ruas adjacentes, tornou-se o denominado “estômago” da capital. Quase toda alimentação básica da maioria da população da nossa cidade era por lá estocada e comercializada. Os atacados cresceram, as lojas se multiplicaram e diversificaram seus portfólios. Junto com o desenvolvimento do comércio central surgiram dos atacadistas de perfumaria, material escolar, utensílios plásticos e bugigangas incontáveis. O antigo Mercado Central de Fortaleza também se instalou na região e cresceu junto com os atacados. Tornou-se um grande centro de comércio de artesanatos e comidas regionais e ponto turístico famoso da nossa capital. Visita obrigatória de turistas vindos de todos os cantos do país na busca por artesanatos, roupas, rendas e belíssimos bordados vendidos por preços incrivelmente baixos. Os turistas ficavam extasiados com as camisas e toalhas confeccionadas e bordadas à mão, verdadeiras obras-de-arte, comercializadas a preços irrisórios. Porém não faz muito tempo o velho Mercado foi demolido e reconstruído em outro local mais à frente. Encontra-se atualmente instalado num grande e confortável imóvel, mas sem o charme e originalidade da antiga construção.
Sobrevivem no local apenas os velhos e teimosos atacadistas. Somente uns poucos cresceram e tornaram-se grandes distribuidores e juntamente com outros comerciantes bem sucedidos mudaram-se para locais mais estratégicos e de melhor acesso (como a BR-116 na entrada da cidade). Os que lá permaneceram, além de sofrer as agruras e decadência do velho centro, passaram a sofrer a concorrência do varejo e das grandes redes de supermercados. Mesmo com tudo contra, vários atacadistas da Governador Sampaio ainda sobrevivem a essa moderna e ágil forma de comércio e ao poderio econômico dos grandes grupos com suas confortáveis e amplas lojas, espalhadas em quase todos os bairros.
Curiosamente e sem explicações proliferou na região o comércio de bebidas e, como esperado, vieram juntos a malandragem e a prostituição. Bares e cabarés passaram a compor uma estranha vizinhança, em meio aos armazéns e lojas de atacados. E tudo isso ali juntinho da nossa imponente Catedral e da Praça da Sé. Na Rua Conde D’eu, que juntamente com a Gov. Sampaio concentravam os grandes atacadistas, se estabeleceram alguns dos mais famosos cabarés do centro da cidade. Real Drinks, Night and Day, 80, Dione, eram alguns dos bordéis que compunham a paisagem e faziam a estranha convivência dos comércios de alimentos e do sexo. Entre os bordéis se destacava o denominado “80”. O nome “Oitenta” como o local ficou conhecido era uma alusão ao número do imóvel e tornou-se ponto de encontro da boemia e de algumas figuras conhecidas da sociedade nas décadas de 60-70. O imóvel chamava atenção pela porta de entrada, duas bandeirolas que se abriam para os lados, como as famosas entradas dos saloons dos filmes de cowboy e também era conhecido pela beleza das “meninas”. Era um cabaré de luxo e nos seus amplos salões circulavam desde os tradicionais boêmios e políticos conhecidos até maridos dedicados em “escapadas” eventuais. Mas assim como o comércio atacadista nem os cabarés resistiram ao progresso e a evolução dos costumes. O sexo no atacado dos bordéis sucumbiu ao sexo no varejo dos motéis. A grande maioria dos bares também fechou as portas. Atualmente o “comércio do sexo” está restrito a uns poucos motéis, ou melhor, aos pequenos e decadentes hotéis e pensões da região central. Lugares imundos e fonte de proliferação de DST e AIDS, além de servirem como pontos de venda de drogas e refúgio de marginais.
Recordo-me do tempo em que o melhor passeio das famílias, em especial na época do Natal, era “olhar as vitrines” das famosas lojas do centro. Sair passeando pelas calçadas da Rua do Ouvidor (como era conhecida a Guilherme Rocha), indo da Praça José de Alencar até a Praça do Ferreira. Sem susto e sem medo e sem o assédio agressivo dos inúmeros camelôs. As grandes e luxuosas lojas como a Casa Parente, Caso Bicho, Milano, Ocapana, Romcy, Lobrás, entre outras, faliram ou encerram suas atividades. Surgiram inúmeras outras, é verdade, mas sem o charme e o brilho das antigas e tradicionais casas comerciais. Hoje, na grande maioria são lojas quase anônimas, sem nenhuma tradição e com nomes estranhos e sem significado. Mercadorias sem qualidade, produtos falsificados, vendedores despreparados e o péssimo atendimento nas lojas contribuem para afastar os eventuais clientes. Uma realidade que em nada lembra os áureos tempos em que fazer compras no centro era um evento festivo e um passeio ansiosamente aguardado pelas crianças. As drogas, a prostituição homossexual, os roubos e assaltos e a violência generalizada fazem do velho centro um lugar de alto risco e no qual a população cada vez mais evita circular. Uma triste realidade.

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